Paraíso, inferno e purgatório. Paraíso perdido. Pecado original.
1012 [1011].
Haverá no universo lugares circunscritos para as penas e gozos dos Espíritos,
segundo seu merecimento? [1]
“Já respondemos a
essa pergunta. As penas e os gozos são inerentes ao grau de perfeição dos
Espíritos. Cada um tira de si mesmo o princípio de sua felicidade ou de sua
desgraça. E como eles estão por toda parte, nenhum lugar circunscrito ou
fechado existe especialmente destinado a uma ou outra coisa. Quanto aos
encarnados, esses são mais ou menos felizes ou desgraçados, conforme seja mais
ou menos adiantado o mundo em que habitam.”
a) — De acordo,
então, com o que vindes de dizer, o inferno e o paraíso não existem, tais como
o homem os imagina?
“São simples
alegorias: por toda parte há Espíritos ditosos e desditosos. Entretanto,
conforme também já dissemos, os Espíritos de uma mesma ordem se reúnem por
simpatia; mas podem reunir-se onde queiram, quando são perfeitos.”
A localização
absoluta das regiões das penas e das recompensas só na imaginação do homem
existe. Provém da sua tendência a materializar e circunscrever as coisas, cuja
essência infinita não lhe é possível compreender.
1013 [1012]. Que
se deve entender por purgatório?
“Dores físicas e
morais: o tempo da expiação. Quase sempre, na Terra é que fazeis o vosso
purgatório e que Deus vos obriga a expiar as vossas faltas.”
O que o homem
chama purgatório é igualmente uma alegoria, devendo-se entender como tal, não
um lugar determinado, porém o estado dos Espíritos imperfeitos que se acham em
expiação até alcançarem a purificação completa, que os levará à categoria dos
Espíritos bem-aventurados. Operando-se essa purificação por meio das diversas
encarnações, o purgatório consiste nas provas da vida corporal.
1014 [1013]. Como
se explica que Espíritos, cuja superioridade se revela na linguagem de que
usam, tenham respondido a pessoas muito sérias, a respeito do inferno e do
purgatório, de conformidade com as ideias correntes?
“É que falam uma
linguagem que possa ser compreendida pelas pessoas que os interrogam. Quando
estas se mostram imbuídas de certas ideias, eles evitam chocá-las muito
bruscamente, a fim de lhes não ferir as convicções. Se um Espírito dissesse a
um muçulmano, sem precauções oratórias, que Maomé não foi profeta, seria muito
mal acolhido.”
a) — Concebe-se
que assim procedam os Espíritos que nos querem instruir. Como, porém, se
explica que, interrogados acerca da situação em que se achavam, alguns
Espíritos tenham respondido que sofriam as torturas do inferno ou do
purgatório?
“Quando são
inferiores e ainda não completamente desmaterializados, os Espíritos conservam
uma parte de suas ideias terrenas e, para dar suas impressões, se servem dos
termos que lhes são familiares. Acham-se num meio que só imperfeitamente lhes
permite sondar o futuro.
Essa a causa de
alguns Espíritos errantes, ou recém-desencarnados, falarem como o fariam se
estivessem encarnados. Inferno se pode traduzir por uma vida de provações,
extremamente dolorosa, com a incerteza de haver outra melhor; purgatório, por
uma vida também de provações, mas com a consciência de melhor futuro. Quando
experimentas uma grande dor, não costumas dizer que sofres como um danado? Tudo
isso são apenas palavras, e sempre ditas em sentido figurado.”
1015 [1014]. Que
se deve entender pela expressão uma alma a penar?
“Uma alma errante
e sofredora, incerta de seu futuro, e à qual podeis proporcionar o alívio que
muitas vezes solicita, vindo comunicar-se convosco.” (664.)
1016 [1015]. Em
que sentido se deve entender a palavra céu?
“Julgas que seja
um lugar, como os Campos Elíseos dos antigos, onde todos os Espíritos bons
estão promiscuamente aglomerados, sem outra preocupação que a de gozar, pela
eternidade toda, de uma felicidade passiva? Não; é o espaço universal; são os
planetas, as estrelas e todos os mundos superiores, onde os Espíritos gozem
plenamente de suas faculdades, sem as tribulações da vida material, nem as
angústias peculiares à inferioridade.”
1017 [1016].
Alguns Espíritos disseram estar habitando o quarto, o quinto céus, etc. Que
queriam dizer com isso?
“Se lhes
perguntais que céu habitam, é que formais ideia de muitos céus dispostos como
os andares de uma casa. Eles, então, respondem de acordo com a vossa linguagem.
Mas por estas palavras quarto e quinto céus exprimem diferentes graus de
purificação e, por conseguinte, de felicidade. É exatamente como quando se
pergunta a um Espírito se está no inferno. Se for desgraçado, dirá sim, porque,
para ele, inferno é sinônimo de sofrimento. Sabe, porém, muito bem que não é
uma fornalha. Um pagão diria estar no Tártaro.”
O mesmo ocorre com
outras expressões análogas, tais como: cidade das flores, cidade dos eleitos,
primeira, segunda ou terceira esfera, etc., que apenas são alegorias usadas por
alguns Espíritos, quer como figuras, quer, algumas vezes, por ignorância da
realidade das coisas, e até das mais simples noções científicas.
De acordo com a
ideia restrita que se fazia outrora dos lugares das penas e das recompensas e,
sobretudo, de acordo com a opinião de que a Terra era o centro do universo, de
que o firmamento formava uma abóbada e que havia uma região das estrelas, o céu
era situado no alto e o inferno em baixo. Daí as expressões: subir ao céu,
estar no mais alto dos céus, ser precipitado nos infernos. Hoje, que a Ciência
demonstrou ser a Terra apenas, entre tantos milhões de outros, uns dos menores
mundos, sem importância especial; que traçou a história da sua formação e lhe
descreveu a constituição; que provou ser infinito o espaço, não haver alto nem
baixo no universo, teve-se que renunciar a situar o céu acima das nuvens e o
inferno nos lugares inferiores. Quanto ao purgatório, nenhum lugar lhe fora
designado. Estava reservado ao Espiritismo dar de tudo isso a explicação mais
racional, mais grandiosa e, ao mesmo tempo, mais consoladora para a humanidade.
Pode-se assim dizer que trazemos em nós mesmos o nosso inferno e o nosso
paraíso. O purgatório, achamo-lo na encarnação, nas vidas corporais ou físicas.
1018 [1017]. Em
que sentido se devem entender estas palavras do Cristo: Meu reino não é deste
mundo?
“Respondendo
assim, o Cristo falava em sentido figurado. Queria dizer que o seu reinado se
exerce unicamente sobre os corações puros e desinteressados. Ele está onde quer
que domine o amor do bem. Mas os homens ávidos das coisas deste mundo e
apegados aos bens da Terra com ele não estão.”
1019 [1018].
Poderá algum dia implantar-se na Terra o reinado do bem?
“O bem reinará na
Terra quando, entre os Espíritos que a vêm habitar, os bons predominarem,
porque, então, farão que aí reinem o amor e a justiça, fonte do bem e da
felicidade. Por meio do progresso moral e praticando as leis de Deus é que o
homem atrairá para a Terra os Espíritos bons e dela afastará os maus. Estes,
porém, não a deixarão, senão quando daí estejam banidos o orgulho e o egoísmo.
“Predita foi a
transformação da humanidade e vos avizinhais do momento em que se dará, momento
cuja chegada apressam todos os homens que auxiliam o progresso. Essa
transformação se verificará por meio da encarnação de Espíritos melhores, que
constituirão na Terra uma geração nova. Então, os Espíritos dos maus, que a
morte vai ceifando dia a dia, e todos os que tentem deter a marcha das coisas,
serão daí excluídos, pois que viriam a estar deslocados entre os homens de bem,
cuja felicidade perturbariam. Irão para mundos novos, menos adiantados,
desempenhar missões penosas, trabalhando pelo seu próprio adiantamento, ao
mesmo tempo que trabalharão pelo de seus irmãos ainda mais atrasados. Neste
banimento de Espíritos da Terra transformada não percebeis a sublime alegoria
do Paraíso perdido, e na vinda do homem para a Terra em semelhantes condições,
trazendo em si o gérmen de suas paixões e os vestígios da sua inferioridade
primitiva, não descobris a não menos sublime alegoria do pecado original?
Considerado deste ponto de vista, o pecado original se prende à natureza ainda
imperfeita do homem que, assim, só é responsável por si mesmo, pelas suas
próprias faltas e não pelas de seus pais.
“Todos vós, homens
de fé e de boa vontade, trabalhai, portanto, com coragem e zelo na grande obra
da regeneração, que colhereis pelo cêntuplo o grão que houverdes semeado. Ai
dos que fecham os olhos à luz! Preparam para si mesmos longos séculos de trevas
e decepções. Ai dos que fazem dos bens deste mundo a fonte de todas as suas alegrias!
Terão que sofrer privações muito mais numerosas do que os gozos de que
desfrutaram! Ai, sobretudo, dos egoístas! Não acharão quem os ajude a carregar
o fardo de suas misérias.” - SÃO LUÍS.
O Livro dos
Espíritos – Allan Kardec.
[1] Nota dos
Revisores: Note-se que, na numeração dos itens do livro, Kardec salteou o n°
1011. Apesar do lapso evidente, o texto foi mantido assim nas quatorze edições
que se seguiram até a desencarnação de Allan Kardec. Para evitar confusões, a
presente edição não procurou “acertar” a numeração.
Heaven, Hell and
Purgatory
1012 [1011]. Are
there any specific places in the universe set apart for the joys and sorrows of
spirits, according to their merit?
“We have already
answered this question. The joys and sorrows of spirits are inherent to their
degree of perfection. Each spirit finds the principle of its happiness or
unhappiness in itself. As spirits are everywhere, there is no enclosed or
confined place set apart for either one or the other. As for incarnated souls,
they are more or less happy depending on how advanced their world is.”
a) Does this mean
that heaven and hell, as people have imagined them, do not exist?
“They are only
symbols. There are happy and unhappy spirits everywhere, but as we have also
told you, spirits of the same order are together by sympathy. When they are
perfect, they can meet wherever they like.”
A fixed place for
rewards and punishments exists only in the imagination of human beings. It
stems from a tendency to materialize and define things of which one cannot
grasp the infinite essence.
1013 [1012]. What
should we understand as purgatory?
“It is a state of
physical and moral suffering, marked by a period of atonement. It is usually
upon the Earth that God affords you the opportunity to experience your purgatory
and atone for your mistakes.”
Purgatory is a figure of speech that signifies the state of imperfection of spirits who need to atone for their faults until they attain happiness by achieving complete purification. It is not a specific place. Purification happens through several reincarnations. Consequently, purgatory consists of the trials of physical life.
1014 [1013]. Why
do spirits whose speech reveals them to be superior answer questions from
serious individuals about hell and purgatory, according to common beliefs?
“They speak in a
language that is understandable to the people who pose the questions
understand. When these individuals are deeply immersed in preconceived ideas,
the spirits avoid interfering with their convictions. If a spirit were to tell
a Muslim, without the proper precautions, that Mohammed was not a true prophet,
it would be poorly received.”
a) That is
understandable for spirits who want to educate us. How is it that others, when
questioned about their situation, reply that they are suffering the tortures of
hell or purgatory?
“When they are
inferior, and not completely dematerialized, they retain some of their earthly
ideas, and describe their impressions using terms that are familiar to them.
Their state allows them to obtain only a very flawed view of the future. This
is why errant spirits, or those recently freed from their physical bodies,
often speak in the same manner as they did during physical life. Hell means a
life of extremely difficult trials, characterized by uncertainty with regards
to improvement, while purgatory is a life of trials embarked upon with the
certainty of a happier future. When you experience intense pain, do you not say
that you are suffering as a cursed soul? The expression is only a figure of
speech.”
1015 [1014]. What
should we understand as “a tormented spirit”?
“An errant and
suffering spirit, uncertain of the future, and to whom you may provide assistance
that it often requests by contacting you in its attempt to obtain relief.” (See
no. 664)
1016 [1015]. How
should we understand the concept of heaven?
“Do you think that
it is a place like the Elysium of Greek mythology, where all good spirits are
crowded together haphazardly, with no other care than that of enjoying passive
happiness for eternity? No, it is universal space. It is the planets, the stars
and all the higher worlds where spirits enjoy all their faculties fully,
without having to experience the ills or misfortunes of material life, or the
suffering that is characteristic of inferiority.”
1017 [1016].
Spirits have said that they inhabit the fourth and fifth heaven, and so on.
What did they mean by this?
“You ask them
which heaven they live in because you have the idea that there are different
levels of heavens, like stories of a home, so they answer you according to your
personal beliefs. For them, references to a fourth or fifth heaven mean
different degrees of purification and happiness. The same applies when you ask
a spirit whether it is in hell. If it is unhappy, it says yes because hell is
synonymous with suffering. However, it knows perfectly well that it is not a
furnace. A Pagan would have replied that it was in Tartarus.”
The same may be
said of other similar expressions, such as “the city of flowers,” “the city of
the elect,” “the first, second, or third sphere,” and so on, which are only
allegories used by some spirits figuratively, whether out of ignorance about
the nature of reality, or simply because they lack any knowledge of even the
most elementary principles of science.
According to the
restricted idea of specific locations for rewards and punishments, and the
common belief that Earth was the center of the universe, that the sky formed a
vault, and that there was a region of stars, people placed heaven up above and
hell down below. This resulted in expressions such as to “ascend to heaven,” to
be in “the highest heaven,” to be “cast down into hell,” and so on. Astronomy
has mapped out Earth’s history and described its formation. Today science has
demonstrated that the Earth is one of the smallest worlds in space and has no special
significance, that space is infinite, and that there is neither up nor down in
the universe. As a result, it has become necessary to stop placing heaven above
the clouds and hell in the depths of the Earth. There was never a specific
space assigned to purgatory. Spiritism provides the most rational, impressive
and consoling explanation about all these three subjects to human beings. It
shows us that heaven and hell exist in ourselves. In a similar vein, we find
purgatory in the state of incarnation in our successive corporeal or physical
lives.
1018 [1017]. How
should we interpret Christ’s words, “My kingdom is not of this world?”
“When he replied
in such a manner, Christ was speaking figuratively. He meant to say that he
only reigned over pure and unselfish hearts. He is wherever the love of
goodness reigns, but those who are greedy for or attached to the things of this
world are not with him.”
1019 [1018]. Will
goodness ever reign on Earth?
“Goodness will
reign on Earth when among the spirits who come to live here the good outnumber
the bad ones. They will usher in a reign of love and justice, which is the
source of goodness and happiness. Through moral progress and adhering to God’s
laws, humanity will attract good spirits to Earth and will keep the bad ones
away. However, the latter will not definitively leave Earth until its people
are completely free of pride and selfishness.”
“The
transformation of humanity was predicted, and you are now approaching the time
when it is destined to take place. Progress will happen when higher spirits
incarnate and create a new generation on Earth. The wicked spirits who die each
day and all who try to halt advancement are excluded and forced to incarnate
somewhere other than Earth. They would be out of place among the honorable
members of the human race, whose happiness is impaired by their presence. They
will go to new, less advanced worlds, where they will carry out difficult
missions. These missions will provide them with the means of advancing, while
contributing to the advancement of their younger, less evolved brothers and
sisters. In this exclusion, do you not see the true significance of the
transcendent image of the Paradise lost? Do you not also see in the appearance
of human beings on Earth under similar conditions and carrying the seeds of
passions, as well as proof of their primitive inferiority within themselves,
the real meaning of original sin? Considered from this perspective, original
sin consists of the imperfection of human nature. Therefore, each member of the
human race is only responsible for their own imperfection and wrongdoing, and
not for that of their ancestors.”
“All of you,
people of faith and goodwill must enthusiastically and courageously devote
yourselves to the noble work of regeneration. You will in turn reap a
hundredfold for every seed you sow. Woe to those who close their eyes against
the light, because they will sentence themselves to centuries of darkness and
sorrow! Woe to those who focus their happiness on the things of this world,
because they will suffer hardships that far exceeds their present joys! And
above all, woe to the selfish, because they will find no one to help them bear
the burden of their misery.” Saint Louis
The Spirits’ Book –
Allan Kardec.