sábado, 2 de janeiro de 2021

A ingratidão dos filhos e os laços de família / CHILDREN'S INGRATITUDE AND FAMILY TIES.

9. A ingratidão é um dos frutos mais diretos do egoísmo. Revolta sempre os corações honestos. Mas, a dos filhos para com os pais apresenta caráter ainda mais odioso. É, em particular, desse ponto de vista que a vamos considerar, para lhe analisar as causas e os efeitos. Também nesse caso, como em todos os outros, o Espiritismo projeta luz sobre um dos grandes problemas do coração humano.

Quando deixa a Terra, o Espírito leva consigo as paixões ou as virtudes inerentes à sua natureza e se aperfeiçoa no espaço, ou permanece estacionário, até que deseje receber a luz. Muitos, portanto, se vão cheios de ódios violentos e de insaciados desejos de vingança; a alguns dentre eles, porém, mais adiantados do que os outros, é dado entrevejam uma partícula da verdade; apreciam então as funestas conseqüências de suas paixões e são induzidos a tomar resoluções boas. Compreendem que, para chegarem a Deus, uma só é a senha: caridade. Ora, não há caridade sem esquecimento dos ultrajes e das injúrias; não há caridade sem perdão, nem com o coração tomado de ódio.

Então, mediante inaudito esforço, conseguem tais Espíritos observar os a quem eles odiaram na Terra. Ao vê-los, porém, a animosidade se lhes desperta no íntimo; revoltam-se à idéia de perdoar, e, ainda mais, à de abdicarem de si mesmos, sobretudo à de amarem os que lhes destruíram, quiçá, os haveres, a honra, a família. Entretanto, abalado fica o coração desses infelizes. Eles hesitam, vacilam, agitados por sentimentos contrários. Se predomina a boa resolução, oram a Deus, imploram aos bons Espíritos que lhes dêem forças, no momento mais decisivo da prova.

Por fim após anos de meditações e preces, o Espírito se aproveita de um corpo em preparo na família daquele a quem detestou, e pede aos Espíritos incumbidos de transmitir as ordens superiores permissão para ir preencher na Terra os destinos daquele corpo que acaba de formar-se. Qual será o seu procedimento na família escolhida? Dependerá da sua maior ou menor persistência nas boas resoluções que tomou. O incessante contacto com seres a quem odiou constitui prova terrível, sob a qual não raro sucumbe, se não tem ainda bastante forte a vontade. Assim, conforme prevaleça ou não a resolução boa, ele será o amigo ou inimigo daqueles entre os quais foi chamado a viver. É como se explicam esses ódios, essas repulsões instintivas que se notam da parte de certas crianças e que parecem injustificáveis. Nada, com efeito, naquela existência há podido provocar semelhante antipatia; para se lhe apreender a causa, necessário se torna volver o olhar ao passado.

Ó espíritas! Compreendei agora o grande papel da Humanidade; compreendei que, quando produzis um corpo, a alma que nele encarna vem do espaço para progredir; inteirai-vos dos vossos deveres e ponde todo o vosso amor em aproximar de Deus essa alma; tal a missão que vos está confiada e cuja recompensa recebereis, se fielmente a cumprirdes. Os vossos cuidados e a educação que lhe dareis auxiliarão o seu aperfeiçoamento e o seu bem-estar futuro. Lembrai-vos de que a cada pai e a cada mãe perguntará Deus: Que fizestes do filho confiado à vossa guarda? Se por culpa vossa ele se conservou atrasado, tereis como castigo vê-lo entre os Espíritos sofredores, quando de vós dependia que fosse ditoso. Então, vós mesmos, assediados de remorsos, pedireis vos seja concedido reparar a vossa falta; solicitareis, para vós e para ele, outra encarnação em que o cerqueis de melhores cuidados e em que ele, cheio de reconhecimento, vos retribuirá com o seu amor.

Não escorraceis, pois, a criancinha que repele sua mãe, nem a que vos paga com a ingratidão; não foi o acaso que a fez assim e que vo-la deu. Imperfeita intuição do passado se revela, do qual podeis deduzir que um ou outro já odiou muito, ou foi muito ofendido; que um ou outro veio para perdoar ou para expiar. Mães! Abraçai o filho que vos dá desgostos e dizei convosco mesmas: Um de nós dois é culpado. Fazei-vos merecedoras dos gozos divinos que Deus conjugou à maternidade, ensinando aos vossos filhos que eles estão na Terra para se aperfeiçoar, amar e bendizer. Mas, oh! muitas dentre vós, em vez de eliminar por meio da educação os maus princípios inatos de existências anteriores, entretêm e desenvolvem esses princípios, por uma culposa fraqueza, ou por descuido, e, mais tarde, o vosso coração, ulcerado pela ingratidão dos vossos filhos, será para vós, já nesta vida, um começo de expiação.

A tarefa não é tão difícil quanto vos possa parecer. Não exige o saber do mundo. Podem desempenhá-la assim o ignorante como o sábio, e o Espiritismo lhe facilita o desempenho, dando a conhecer a causa das imperfeições da alma humana.

Desde pequenina, a criança manifesta os instintos bons ou maus que traz da sua existência anterior. A estudá-los devem os pais aplicar-se. Todos os males se originam do egoísmo e do orgulho. Espreitem, pois, os pais os menores indícios reveladores do gérmen de tais vícios e cuidem de combatê-los, sem esperar que lancem raízes profundas. Façam como o bom jardineiro, que corta os rebentos defeituosos à medida que os vê apontar na árvore. Se deixarem se desenvolvam o egoísmo e o orgulho, não se espantem de serem mais tarde pagos com a ingratidão. Quando os pais hão feito tudo o que devem pelo adiantamento moral de seus filhos, se não alcançam êxito, não têm de que se inculpar a si mesmos e podem conservar tranqüila a consciência. À amargura muito natural que então lhes advém da improdutividade de seus esforços, Deus reserva grande e imensa consolação, na certeza de que se trata apenas de um retardamento, que concedido lhes será concluir noutra existência a obra agora começada e que um dia o filho ingrato os recompensará com seu amor. (Cap. XIII, nº 19.)

Deus não dá prova superior às forças daquele que a pede; só permite as que podem ser cumpridas. Se tal não sucede, não é que falte possibilidade: falta a vontade. Com efeito, quantos há que, em vez de resistirem aos maus pendores, se comprazem neles. A esses ficam reservados o pranto e os gemidos em existências posteriores. Admirai, no entanto, a bondade de Deus, que nunca fecha a porta ao arrependimento. Vem um dia em que ao culpado, cansado de sofrer, com o orgulho afinal abatido, Deus abre os braços para receber o filho pródigo que se lhe lança aos pés. As provas rudes, ouvi-me bem, são quase sempre indício de um fim de sofrimento e de um aperfeiçoamento do Espírito, quando aceitas com o pensamento em Deus. É um momento supremo, no qual, sobretudo, cumpre ao Espírito não falir murmurando, se não quiser perder o fruto de tais provas e ter de recomeçar. Em vez de vos queixardes, agradecei a Deus o ensejo que vos proporciona de vencerdes, a fim de vos deferir o prêmio da vitória. Então, saindo do turbilhão do mundo terrestre, quando entrardes no mundo dos Espíritos, sereis aí aclamados como o soldado que sai triunfante da refrega.

De todas as provas, as mais duras são as que afetam o coração. Um, que suporta com coragem a miséria e as privações materiais, sucumbe ao peso das amarguras domésticas, pungido da ingratidão dos seus. Oh! que pungente angústia essa! Mas, em tais circunstâncias, que mais pode, eficazmente, restabelecer a coragem moral, do que o conhecimento das causas do mal e a certeza de que, se bem haja prolongados despedaçamentos d’alma, não há desesperos eternos, porque não é possível seja da vontade de Deus que a sua criatura sofra indefinidamente? Que de mais reconfortante, de mais animador do que a idéia que de cada um dos seus esforços é que depende abreviar o sofrimento, mediante a destruição, em si, das causas do mal? Para isso, porém, preciso se faz que o homem não retenha na Terra o olhar e só veja uma existência; que se eleve, a pairar no infinito do passado e do futuro. Então, a justiça infinita de Deus se vos patenteia, e esperais com paciência, porque explicável se vos torna o que na Terra vos parecia verdadeiras monstruosidades. As feridas que aí se vos abrem, passais a considerá-las simples arranhaduras. Nesse golpe de vista lançado sobre o conjunto, os laços de família se vos apresentam sob seu aspecto real. Já não vedes, a ligar-lhes os membros, apenas os frágeis laços da matéria; vedes, sim, os laços duradouros do Espírito, que se perpetuam e consolidam com o depurarem-se, em vez de se quebrarem por efeito da reencarnação.

Formam famílias os Espíritos que a analogia dos gostos, a identidade do progresso moral e a afeição induzem a reunir-se. Esses mesmos Espíritos, em suas migrações terrenas, se buscam, para se gruparem, como o fazem no espaço, originando-se daí as famílias unidas e homogêneas. Se, nas suas peregrinações, acontece ficarem temporariamente separados, mais tarde tornam a encontrar-se, venturosos pelos novos progressos que realizaram. Mas, como não lhes cumpre trabalhar apenas para si, permite Deus que Espíritos menos adiantados encarnem entre eles, a fim de receberem conselhos e bons exemplos, a bem de seu progresso. Esses Espíritos se tornam, por vezes, causa de perturbação no meio daqueles outros, o que constitui para estes a prova e a tarefa a desempenhar.

Acolhei-os, portanto, como irmãos; auxiliai-os, e depois, no mundo dos Espíritos, a família se felicitará por haver salvo alguns náufragos que, a seu turno, poderão salvar outros. – Santo Agostinho. (Paris, 1862.)

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Allan Kardec.

CHILDREN'S INGRATITUDE AND FAMILY TIES

9. Ingratitude is one of the most direct results of selfishness and always causes revolt in honest hearts. But the ingratitude of children towards their parents shows an even more hateful trait of character. It is specially this point of view we are going to consider, so we may analyse the causes and effects of this attitude. In this case, as in all others, Spiritism offers enlightenment on one of the greatest problems of the human heart.

When a Spirit leaves the earth plane it takes with it all the passions and all the virtues inherent in its nature, going on to improve itself in the spirit world or to remain stationary until it desires to receive enlightenment. Accordingly many Spirits return to the spiritual world full of hate and violence, as well as full of insatiable desires for vengeance. Nevertheless, there are always some amongst them who are more advanced and so able to perceive a faint glimmer of truth enabling them to appreciate the disastrous consequences of these passions, which in turn induces them to make good resolutions for the future. These Spirits understand that in order to reach God there is only one password: Charity But there can be no charity without being able to forget affronts and insults. Neither can there be any charity if there is no forgiveness or if the heart is filled with hate.

Then by unprecedented efforts, these Spirits manage to observe those they hated while upon Earth. However, on seeing them again animosity is once more aroused in their hearts, causing revolt at the idea of forgiving them and even more at the thought of personal renouncement. But above all they are revolted at the thought of loving those who had destroyed their worldly goods, their honour or perhaps even their family. Meanwhile, the hearts of these unhappy Spirits continue to be disturbed and upset. They hesitate and waver, agitated by contrasting sentiments. If their good resolutions predominate, then they pray to God and implore the good Spirits to give them strength at this the most decisive moment of their ordeal.

Finally, after years of meditation and prayer, the Spirit takes the opportunity of a physical body that is, as yet, in project in the family of the one who is detested, and then asks the Spirits designated to transmit orders, for permission to fulfill here on Earth the destiny of that body which is about to be formed. What then will be this Spirit's behaviour within the chosen family? That will depend on the greater or lesser degree of persistence in the good resolutions made by that Spirit. The incessant contact with those it hates constitutes a terrible test, under which it not infrequently succumbs if its desire to win through is not sufficiently strong. In this manner, and according to whether or not the good resolutions predominate, the Spirit will be either a friend or enemy to those it was called to live amongst. This is the explanation for the hates and instinctive repulsions often noted between certain children, and which appear to be inexplicable. In actual fact there is nothing in the present life which could have caused such antipathy; in order to find the cause it would be necessary to look back into the past.

Oh! Spiritists! You must understand the great part that humanity has to play! You must understand that when a body is produced the soul which incarnates in it has come from space in order to progress. So acquaint yourselves with your duty and then put all your love into bringing this soul nearer to God. This is the mission with which you have been entrusted and for which you will receive just recompense if you fulfill your trust faithfully. The care and education given by you to this child will help in its improvement and future well-being. Remember that God will ask every mother and father: "What have you done with the child which was entrusted to you?" If through any fault of yours it has remained backward, then as punishment you will have to watch it amongst the suffering Spirits, when it depended upon you to help it towards happiness. Thus you yourselves, assailed by remorse, will ask that it be permitted for you to remedy your errors. You will request for yourself and your child another incarnation in which you will surround that Spirit with better care, and in which, being full of gratitude, the Spirit will then reciprocate by loving you.

So then, do not reject the child who repels its parents, nor the one who is ungrateful, for it is not mere chance which has made it like that and then given it to you. An imperfect intuition of the past is revealed by these attitudes, and from this we can deduce that one or the other harbours great hate or has been mortally offended; that one or the other has come to pardon or to atone. Mothers, embrace the child which causes vexation and say to yourself: One of us is guilty! Make yourselves worthy of the Divine enjoyment which God has conjugated into maternity by teaching your children that they are on Earth in order to perfect themselves, to love and to bless others. Oh, but there are many mothers amongst you having children who have innate bad principles acquired in past lives, and instead of eliminating these traits, actually maintain and develop them due to blameworthy weaknesses or through carelessness! Later on, with hearts that are lacerated by the ingratitude of your children, you will begin your atonement, even in this life.

Nevertheless, your task is not as difficult as it may seem. It does not require the wisdom of the world. Either an ignorant or wise person may discharge this duty, and Spiritism will help you to do just that by giving you the possibility of knowing the causes of the imperfections in the human soul.

Having been brought from past existences, these good or evil instincts will manifest themselves from early childhood. It is necessary that parents study these instincts; all badness originates from selfishness and pride. So be on the lookout for the least sign which will reveal the existence of such vices, and then take care to combat them without waiting for them to take deep root. Do as the good gardener does: cut off all defective shoots as soon as they appear on the tree. If you allow selfishness and pride to develop, do not be surprised if later on you are paid back by ingratitude. When parents have done everything possible for the moral advancement of their children, even if they have not been successful, then they have nothing with which to reproach themselves and their consciences may remain tranquil. For the natural anguish resulting from the unproductiveness of their efforts, God reserves a great, an immense, consolation in the certainty that it is only a brief delay, that it will be given to them to conclude in another existence the work that has already begun, and one day their ungrateful child will recompense them with love. (See chapter 13, item 19.)

God never gives anyone a trial superior to the strength of the person who has asked for it. He only permits those tests which can be fulfilled. Therefore if this does not happen, it is not for lack of possibilities, but for lack of willpower. In effect, how many there are who instead of resisting their bad tendencies, actually revel in them. Alas, these revellers will find that only tears and cries of anguish have been reserved for them in their future existences. Nevertheless, we should wonder at God's unbounding goodness because He never shuts the door to repentance. The day will come when the culprit, tired of suffering and with his or her pride finally humbled, will perceive that God is holding out His Hands to receive the prodigal child who throws himself at His feet. Now listen well to what I am about to tell you - the harshest trials are almost always the indication of the end to suffering and to a certain perfecting of the Spirit, as long as they are accepted with all thought focussed on God. These are in fact supreme moments in which, above all else, it behoves the Spirit not to cause failure due to constant complaining or the fruits of the trial will be lost, so making it necessary to begin again from the beginning. Instead of complaining, thank God for the opportunity to triumph which He has given you, that He may bestow the prize of victory upon you. Then when you leave the vortex of this earthly world, to enter into the world of spirit, you will be acclaimed as a soldier returning triumphant from the fray.

Of all the trials that exist, the hardest to bear are those which affect the heart. A person who is able to support misery and material privation with courage frequently succumbs under the weight of domestic bitterness, goaded on by the ingratitude of members of the family. Oh, what a terribly pungent anguish this is! But in these circumstances what can more effectively renew moral courage than the knowledge of the causes of the evil? Even if there are protracted lacerations, it is certain that there are no eternal despairs, because it is not possible for God to wish that any one of His creatures suffer indefinitely. What can be more comforting and more animating than the idea that the abbreviation of suffering depends on each effort made to destroy the evil within oneself, which is the cause of all misery? But in order to be able to do this, it is necessary that mankind does not confine its vision exclusively to this planet nor to only a single existence. Humanity must lift itself up so that it becomes possible to see the infinity of both the past and the future. When this happens, then God's everlasting justice becomes apparent and so you will be able to wait patiently, because all that had previously appeared to be absolute monstrosity on this Earth will have become explainable. The various wounds which you have received will appear as mere scratches. In this rapid glance cast over the whole scene, all family ties will present themselves in their true light. You will no longer see only the fragile material ties which join various members of a family together, but also the lasting ties of the Spirit which penetrate and consolidate with the process of purification, instead of being broken by the effect of reincarnation.

Families are formed by groupings of Spirits who are induced to gather together because of their affinities of tastes, moral progress and affections. During their terrestrial migrations, these same Spirits seek each other out in order to group themselves as they do in space, so giving origin to united and homogeneous families. If during their peregrinations it so happens they are temporarily separated, then they will meet again later on, happy for the new progress which has been accomplished. But as they are not allowed to work exclusively for their own benefit, God permits that less advanced Spirits incarnate amongst them in order that these may receive good advice and examples which will help them. Sometimes these Spirits cause perturbation in the midst of the others, which constitutes a trial and a task to be fulfilled. Therefore, receive these perturbed Spirits as your brothers and sisters; help them, and afterwards, when once again they are in the spiritual world, the family will be able to congratulate itself for having saved an outcast, who in their turn may save others. - SAINT AUGUSTIN (Paris, 1862).

THE GOSPEL ACCORDING TO SPIRITISM – Allan Kardec.

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