domingo, 12 de setembro de 2021

Considerações e concordâncias bíblicas concernentes à criação / Biblical Account of Creation



59. Os povos têm formado ideias muito divergentes acerca da criação, de acordo com seu esclarecimento. Apoiada na Ciência, a razão reconheceu a inverossimilhança de algumas dessas teorias. A que os Espíritos apresentam confirma a opinião de há muito partilhada pelos homens mais esclarecidos.

A objeção que se lhe pode fazer é a de estar em contradição com o texto dos livros sagrados. Mas um exame sério mostrará que essa contradição é mais aparente do que real, e que decorre da interpretação dada ao que muitas vezes só tinha sentido alegórico.

A questão de ter sido Adão, como primeiro homem, a origem exclusiva da humanidade, não é a única a cujo respeito as crenças religiosas tiveram que se modificar. O movimento da Terra pareceu, em determinada época, tão em oposição às letras sagradas, que não houve gênero de perseguições a que essa teoria não tivesse servido de pretexto, e, no entanto, a Terra gira, malgrado os anátemas, não podendo ninguém hoje contestá-lo sem agravo à sua própria razão.

Diz também a Bíblia que o mundo foi criado em seis dias e põe a época da sua criação há quatro mil anos, mais ou menos, antes da era cristã. Anteriormente, a Terra não existia; foi tirada do nada: o texto é formal. Eis, porém, que a ciência positiva, a inexorável ciência, prova o contrário. A história da formação do globo terráqueo está escrita em caracteres indeléveis no mundo fóssil, achando-se provado que os seis dias da criação indicam outros tantos períodos, cada um de, talvez, muitas centenas de milhares de anos. Isto não é um sistema, uma doutrina, uma opinião insulada; é um fato tão certo como o do movimento da Terra e que a teologia não pode negar-se a admitir, o que demonstra evidentemente o erro em que se está sujeito a cair tomando ao pé da letra expressões de uma linguagem frequentemente figurada. Dever-se-á daí concluir que a Bíblia é um erro? Não; a conclusão a tirar-se é que os homens se equivocaram ao interpretá-la.

Escavando os arquivos da Terra, a Ciência descobriu em que ordem os seres vivos lhe apareceram na superfície, ordem que está de acordo com o que diz a Gênese, com a diferença de que essa obra, em vez de executada milagrosamente por Deus em algumas horas, se realizou, sempre pela sua vontade mas segundo a lei das forças da natureza, em alguns milhões de anos. Ficou sendo Deus, por isso, menor e menos poderoso? Perdeu em sublimidade a sua obra, por não ter o prestígio da instantaneidade? Evidentemente, não. Seria mister fazer-se da Divindade bem mesquinha ideia para se não reconhecer a sua onipotência nas leis eternas que ela estabeleceu para regerem os mundos. A Ciência, longe de apoucar a obra divina, no-la mostra sob aspecto mais grandioso e mais acorde com as noções que temos do poder e da majestade de Deus, pela razão mesma de ela se haver efetuado sem derrogação das leis da natureza.

De acordo, neste ponto, com Moisés, a Ciência coloca o homem em último lugar na ordem da criação dos seres vivos. Moisés, porém, indica, como sendo o do dilúvio universal, o ano 1654 da formação do mundo, ao passo que a geologia nos aponta o grande cataclismo como anterior ao aparecimento do homem, atendendo a que, até hoje, não se encontrou, nas camadas primitivas, traço algum de sua presença, nem da dos animais de igual categoria, do ponto de vista físico. Contudo, nada prova que isso seja impossível. Muitas descobertas já fizeram surgir dúvidas a tal respeito. Pode dar-se que, de um momento para outro, se adquira a certeza material da anterioridade da raça humana e então se reconhecerá que, a esse propósito, como a tantos outros, o texto bíblico encerra uma figura. A questão está em saber se o cataclismo geológico é o mesmo a que assistiu Noé. Ora, o tempo necessário à formação das camadas fósseis não permite confundi-los e, desde que se achem vestígios da existência do homem antes da grande catástrofe, provado ficará, ou que Adão não foi o primeiro homem, ou que a sua criação se perde na noite dos tempos. Contra a evidência não há raciocínios possíveis; forçoso será aceitar-se esse fato, como se aceitaram o do movimento da Terra e os seis períodos da criação.

A existência do homem antes do dilúvio geológico ainda é, com efeito, hipotética. Eis aqui, porém, alguma coisa que o é menos. Admitindo-se que o homem tenha aparecido pela primeira vez na Terra 4.000 anos antes do Cristo e que, 1.650 anos mais tarde, toda a raça humana foi destruída, com exceção de uma só família, resulta que o povoamento da Terra data apenas de Noé, ou seja: de 2.350 anos antes da nossa era. Ora, quando os hebreus emigraram para o Egito, no décimo oitavo século, encontraram esse país muito povoado e já bastante adiantado em civilização. A história prova que, nessa época, as Índias e outros países também estavam florescentes, sem mesmo se ter em conta a cronologia de certos povos, que remonta a uma época muito mais afastada. Teria sido preciso, nesse caso, que do vigésimo quarto ao décimo oitavo século, isto é, que num espaço de 600 anos, não somente a posteridade de um único homem houvesse podido povoar todos os imensos países então conhecidos, suposto que os outros não o fossem, mas também que, nesse curto lapso de tempo, a espécie humana houvesse podido elevar-se da ignorância absoluta do estado primitivo ao mais alto grau de desenvolvimento intelectual, o que é contrário a todas as leis antropológicas.

A diversidade das raças corrobora, igualmente, esta opinião. O clima e os costumes produzem, é certo, modificações no caráter físico; sabe-se, porém, até onde pode ir a influência dessas causas, e o exame fisiológico demonstra haver, entre certas raças, diferenças constitucionais mais profundas do que as que o clima é capaz de determinar. O cruzamento das raças dá origem aos tipos intermediários. Ele tende a apagar os caracteres extremos, mas não os cria; apenas produz variedades. Ora, para que tenha havido cruzamento de raças, preciso era que houvesse raças distintas. Como, porém, se explicará a existência delas, atribuindo-se-lhes uma origem comum e, sobretudo, tão pouco afastada? Como se há de admitir que, em poucos séculos, alguns descendentes de Noé se tenham transformado ao ponto de produzirem a raça etíope, por exemplo? Tão pouco admissível é semelhante metamorfose, quanto a hipótese de uma origem comum para o lobo e o cordeiro, para o elefante e o pulgão, para o pássaro e o peixe. Ainda uma vez: nada pode prevalecer contra a evidência dos fatos. Tudo, ao invés, se explica, admitindo-se: que a existência do homem é anterior à época em que vulgarmente se pretende que ela começou; que diversas são as origens; que Adão, vivendo há seis mil anos, tenha povoado uma região ainda desabitada; que o dilúvio de Noé foi uma catástrofe parcial, confundida com o cataclismo geológico; e atentando-se, finalmente, na forma alegórica peculiar ao estilo oriental, forma que se nos depara nos livros sagrados de todos os povos. Isso faz ver quanto é prudente não lançar levianamente a pecha de falsas a doutrinas que podem, cedo ou tarde, como tantas outras, desmentir os que as combatem. As ideias religiosas, longe de perderem alguma coisa, se engrandecem, caminhando de par com a Ciência. Esse o meio único de não apresentarem lado vulnerável ao ceticismo.

O Livro dos Espíritos – Allan Kardec.

59. Different populations of Earth have formed contrasting ideas about creation, depending on their degree of scientifc advancement. Reason, supported by science, recognizes the implausibility of some theories. The explanation given by the spirits confirms the theory that has long been recognized by the most enlightened people.

Arguments against this theory are that they contradict sacred texts. However when we examine these statements carefully they show us that this contradiction is more superfcial than genuine. It results from the interpretation that has been given to allegorical expressions.

Adam, widely regarded as the frst man and sole ancestor of the human race, is not the only point that caused religious convictions around the world to change. At one time, the movement of the Earth so blatantly contradicted the Bible that every type of criticism imaginable was fred against it. Despite this, the Earth continued to move in its orbit, and people today couldn’t possibly object to this fact without jeopardizing their own sanity and credibility.

The Bible also states that the world was created in six days, and establishes the date of creation at about 4000 years before Christ. According to the Bible, Earth did not exist before that time and was created out of nothing at the time of creation. Yet science has undeniably proven otherwise. The history of Earth is irrefutably written in fossils, proving beyond the shadow of a doubt that the six days of creation are successive periods, each of which may have been millions of years. This is not a matter of opinion, but a fact that is as indisputably certain as the movement of the Earth, and one that theology itself can no longer refuse to acknowledge. This admission provides yet another example of the errors we commit by attributing literal truth to fgurative language. Should we conclude that the Bible is one giant error? No, but we must admit that people have defnitely blundered in its interpretation.

Science, in studying the geological records of the Earth itself, has determined the order in which the different species of living beings appeared, and this order matches the sequence indicated in the Book of Genesis.

The main difference is that Earth was created according to the laws and action of the forces of nature over millions of years. It did not spring miraculously from the hand of God in a few days and it was not formed by the whim of Divine will. Does this eclipse God’s power or strength? Is the result of creative energy less sublime when it does not happen instantaneously? Of course not, and anyone who does not recognize the magnifcence of the Divine in this evolution of eternal laws is quite foolish. Science, far from diminishing the glory of Divine power, shows us that action from a more sublime perspective is consistent with our notions of God’s power and majesty precisely because the work was carried out without disregard for the laws of nature.

Modern science, in agreement with Moses, states that humanity appeared last in the creation of living beings. However, Moses places the great food as having occurred 1654 years after the creation of the world, while geology shows that the great natural disasters occurred before the appearance of human beings. To date, the earliest strata contain no traces of humanity’s presence, nor that of the animals coexisting with it. Nothing conclusively establishes that this is impossible. Since many discoveries have already raised questions about this, it is possible that at any moment the material certainty of the anteriority of the human race may come to light, showing us that in this case, as well as others, the Biblical text portrays an allegory. The question to be examined here is whether the great food is the same suffered by Noah or if the amount of time required for the formation of sedimentary layers and rock formations containing fossils does not allow this conclusion.. If eventually traces of the existence of human beings before the great food are discovered, it is evident then that either Adam was not the frst man, or that his creation dates back closer to the dawn of time. There is no arguing against fact if supporting evidence is found. This fact would have to be acknowledged, in the same manner that the movement of the Earth and the six periods of creation were also acknowledged.

The existence of humans before the great food is still hypothetical. However, the same argument cannot be made against the following considerations: In stating that human beings frst appeared on the Earth 4000 years before Christ, and if the entire human race, with the exception of a single family, was wiped out 1650 years later, that means that the populating of the Earth dates back only to Noah’s time, which is only 2350 years before Christ. However, when the Israelites relocated to Egypt around 1800 BC, they found the country to be a very densely populated, advanced civilization. History also shows that, at that same time, India and various other countries were also populated and fourishing, not to mention other nations that claim to date back further in time. We must therefore presume that, from 2400 BC to 1800 BC---that is 600 years – the descendants of a single individual were able to populate every known country and even those that were unknown which, we have no reason to believe, were devoid of inhabitants. We must further presume that humankind was able to evolve from being unaware to the highest degree of intellectual development, in this brief stint of time, which completely contradicts anthropological theory.

The diversity of the human race supports this opinion. While differences in climate and lifestyle clearly change the physical characteristics of humans, we know the extent to which these adaptations may occur as a result of these infuences. Physiological examination conclusively proves that there are fundamental differences between the races that are too great to have been caused by climate differences alone.

The crossing of races diminishes extreme characteristics by creating new varieties rather than reproducing the extremes. This process presupposes the existence of separate races, but how can this be explained if all of humanity can be traced back to a single ancestor and a short period of creation? How can we deduce, for example, that Noah’s descendants, in such a short time, had transformed into Ethiopians? Such a metamorphosis would be as implausible as a wolf turning into a sheep, a beetle into an elephant, or a bird into a fsh. No preconceived opinion or belief system can resist the evidence of facts. If we believe that humans existed before the most widely accepted time of creation, that there is a diversity of origins, that Adam lived 6000 years ago populating a country that until then had been uninhabited, that Noah’s food was a local catastrophe mistaken for the great geological disaster, and if we make the proper allowances for the allegorical expressions that are characteristic of the eastern style and common to the sacred texts of all religions, every diffculty disappears.

This is why it is important to be careful in literally interpreting fgurative statements of belief systems, which, like so many others, could someday enjoy a retraction from those who currently oppose them. Religion, rather than fearing the discoveries of science, should allow itself to be bolstered by it. This union is the only way that religion can arm itself against skeptics.

THE SPIRITS' BOOK – Allan Kardec.

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