Vimos de
apreciar a alma com relação ao seu passado e ao seu presente. Se a
considerarmos tendo em vista o seu futuro, esbarraremos nas mesmas
dificuldades.
1.a Se a nossa
existência atual é que, só ela, decidirá da nossa sorte vindoura, quais, na
vida futura, as posições respectivas do selvagem e do homem civilizado? Estarão
no mesmo nível, ou se acharão distanciados um do outro, no tocante à soma de
felicidade eterna que lhes caiba?
2.a O homem que
trabalhou toda a sua vida por melhorar-se, virá a ocupar a mesma categoria de
outro que se conservou em grau inferior de adiantamento, não por culpa sua, mas
porque não teve tempo, nem possibilidade de se tornar melhor?
3.a O que
praticou o mal, por não ter podido instruir-se, será culpado de um estado de
coisas cuja existência não dependeu dele?
4.a Trabalha-se
continuamente por esclarecer, moralizar, civilizar os homens. Mas, em
contraposição a um que fica esclarecido, milhões de outros morrem todos os dias
antes que a luz lhes tenha chegado. Qual a sorte destes últimos? Serão tratados
como réprobos? No caso contrário, que fizeram para ocupar categoria idêntica à
dos outros?
5.a Que sorte
aguarda os que morrem na infância, quando ainda não puderam fazer nem o bem,
nem o mal? Se vão para o meio dos eleitos, por que esse favor, sem que coisa
alguma hajam feito para merecê-lo? Em virtude de que privilégio eles se veem
isentos das tribulações da vida?
Haverá alguma
doutrina capaz de resolver esses problemas? Admitam-se as existências
consecutivas e tudo se explicará em conformidade com a justiça de Deus. O que
se não pôde fazer numa existência faz-se em outra. Assim é que ninguém escapa à
lei do progresso, que cada um será recompensado segundo o seu merecimento real
e que ninguém fica excluído da felicidade suprema, a que todos podem aspirar,
quaisquer que sejam os obstáculos com que topem no caminho.
Essas questões
facilmente se multiplicariam ao infinito, porquanto inúmeros são os problemas
psicológicos e morais que só na pluralidade das existências encontram solução.
Limitamo-nos a formular as de ordem mais geral. Como quer que seja, alegar-se-á
talvez que a Igreja não admite a doutrina da reencarnação; logo, ela
subverteria a religião. Não temos o intuito de tratar dessa questão neste
momento. Basta-nos o havermos demonstrado que aquela doutrina é eminentemente
moral e racional. Ora, o que é moral e racional não pode estar em oposição a
uma religião que proclama ser Deus a bondade e a razão por excelência. Que
teria sido da religião, se, contra a opinião universal e o testemunho da
Ciência, se houvesse obstinadamente recusado a render-se à evidência e
expulsado de seu seio todos os que não acreditassem no movimento do Sol ou nos
seis dias da criação? Que crédito teria merecido e que autoridade teria tido,
entre povos cultos, uma religião fundada em erros manifestos e que os impusesse
como artigos de fé? Logo que a evidência se patenteou, a Igreja, prudentemente,
se colocou do lado da evidência. Uma vez provado que certas coisas reais são
impossíveis sem a reencarnação, e que alguns pontos do dogma religioso não
podem ser explicados a não ser por esse meio, cumpre admiti-la, e reconhecer
que é meramente aparente o antagonismo entre a doutrina da reencarnação e tais
pontos. Mais adiante mostraremos que talvez seja muito menor do que se pensa a
distância que, da doutrina das vidas sucessivas, separa a religião, e que a
esta não faria aquela doutrina maior mal do que lhe fizeram as descobertas do
movimento da Terra e dos períodos geológicos, as quais, à primeira vista,
pareceram desmentir os textos sagrados. Ademais, o princípio da reencarnação
ressalta de muitas passagens das Escrituras, achando-se especialmente
formulado, de modo explícito, no Evangelho:
“Quando desciam
da montanha (depois da transfiguração), Jesus lhes fez esta recomendação: Não
faleis a ninguém do que acabastes de ver, até que o filho do homem tenha
ressuscitado dentre os mortos. Perguntaram-lhe então seus discípulos: Por que
dizem os escribas ser preciso que primeiro venha Elias? Respondeu-lhes Jesus: É
certo que Elias há de vir e que restabelecerá todas as coisas. Mas, eu vos
declaro que Elias já veio, e eles não o conheceram e o fizeram sofrer como
entenderam. Do mesmo modo darão a morte ao filho do homem. Compreenderam então
seus discípulos que era de João Batista que ele lhes falava.” (São Mateus, cap.
XVII.)
Pois que João
Batista fora Elias, houve reencarnação do Espírito ou da alma de Elias no corpo
de João Batista.
Ademais, como
quer que opinemos acerca da reencarnação, quer a aceitemos, quer não, isso não
constituirá motivo para que deixemos de sofrê-la, desde que ela exista,
malgrado todas as crenças em contrário. O essencial está em que o ensino dos
Espíritos é eminentemente cristão; apoia-se na imortalidade da alma, nas penas
e recompensas futuras, na justiça de Deus, no livre-arbítrio do homem, na moral
do Cristo. Logo, não é antirreligioso.
Temos
raciocinado, abstraindo, como dissemos, de qualquer ensinamento espírita, que,
para certas pessoas, carece de autoridade. Não é somente porque veio dos
Espíritos que nós e tantos outros nos fizemos adeptos da pluralidade das
existências. É porque essa doutrina nos pareceu a mais lógica e porque só ela
resolve questões até então insolúveis. Ainda quando fosse da autoria de um
simples mortal, tê-la-íamos igualmente adotado e não teríamos hesitado um
segundo mais em renunciar às ideias que esposávamos. Em sendo demonstrado o
erro, muito mais que perder do que ganhar tem o amor-próprio, com o se obstinar
na sustentação de uma ideia falsa. Assim também, tê-la-íamos repelido, mesmo
que provindo dos Espíritos, se nos parecera contrária à razão, como repelimos
muitas outras, pois sabemos, por experiência, que não se deve aceitar cegamente
tudo o que venha deles, da mesma forma que se não deve adotar às cegas tudo o
que proceda dos homens. O melhor título que, ao nosso ver, recomenda a ideia da
reencarnação é o de ser, antes de tudo, lógica. Outro, no entanto, ela
apresenta: o de a confirmarem os fatos, fatos positivos e, por assim dizer,
materiais, que um estudo atento e racional revela a quem se dê ao trabalho de
observar com paciência e perseverança, e diante dos quais não há mais lugar
para a dúvida. Quando esses fatos se houverem popularizado, como os da formação
e do movimento da Terra, forçoso será que todos se rendam à evidência, e os que
se lhes colocaram em oposição ver-se-ão constrangidos a desdizer-se.
Reconheçamos,
portanto, em resumo, que só a doutrina da pluralidade das existências explica o
que, sem ela, se mantém inexplicável; que é altamente consoladora e conforme à
mais rigorosa justiça; que constitui para o homem a âncora de salvação que
Deus, por misericórdia, lhe concedeu.
As próprias
palavras de Jesus não permitem dúvida a tal respeito. Eis o que se lê no
Evangelho de São João, capítulo III:
3. Respondendo a
Nicodemos, disse Jesus: Em verdade, em verdade, te digo que se um homem não
nascer de novo não poderá ver o reino de Deus.
4. Disse-lhe
Nicodemos: Como pode um homem nascer já estando velho? Pode tornar ao ventre de
sua mãe para nascer segunda vez?
5. Respondeu
Jesus: Em verdade, em verdade, te digo que se um homem não renascer da água e
do espírito não poderá entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é
carne e o que é nascido do espírito é espírito. Não te admires de que eu te tenha
dito: é necessário que torneis a nascer. (Ver, adiante, o parágrafo
“Ressurreição da carne”, n.° 1010.)
O
Livro dos Espíritos - Allan Kardec.
We have considered the soul in regard to its past and
its present. If we now consider it in terms of the future, we encounter further
diffculties that modern theories still cannot explain.
1. If our future destiny is to be decided solely by
our present life, what will be the respective positions of the savage and the
civilized person in the future? Will they be on the same level, or will there
be a difference in their level of eternal happiness?
2. Will the individuals who have tirelessly worked
their entire life to achieve moral and intellectual improvement be placed at
the same rank as others who have remained at a lower point of moral and
intellectual improvement, not through their own fault but because they had
neither the time nor the opportunity to advance?
3. Can the individuals who have done wrong because the
path to enlightenment has been closed off to them be fairly punished for their
wrongdoing, even though this is not the result of a voluntary choice?
4. We strive to enlighten, moralize, and civilize all
humans, but for each individual that we are able to successfully educate, there
are millions who die every year without ever seeing the light. What is their
fate? Should they be treated as sinners? If not, how have they deserved the
same treatment as the others?
5. What is the fate of children who die before they
have been able to do either good or bad? If they are welcomed among the purest
spirits, why have they been given this standing without having done anything to
deserve it? Why are they exempted from suffering the tribulations of the
physical life?
What current doctrine can solve these problems? If we
acknowledge our consecutive lives, all these problems are solved in compliance
with Divine justice. What we are unable to complete or do in one life, we
accomplish in another. Thus, no one escapes the law of progress. Everyone is
rewarded according to his or her own merit, and no one is excluded from the
ultimate attainment of supreme happiness, regardless of the obstacles they must
overcome on the journey to get there.
Questions related to this subject may be infinitely
multiplied, because the psychological and moral problems that can only be
solved by the theory of multiple lives are innumerable. In this work, we have
restricted our examination to the most general issues. Some detractors may
maintain that whatever the arguments in its favor, reincarnation is not
acknowledged by the Church and its acceptance would therefore, not only confict
religious doctrine but utterly decimate it as well. Our objective is not to
discuss the implications of this subject, but rather to highlight the
exceedingly moral and rational character of the theory. On the contrary, we may
confdently contend that a moral and rational doctrine cannot possibly be
antagonistic to a religion that proclaims the Divine Being to be the paradigm
of goodness and reason. What would have happened to the Church if, in
opposition to scientifc research and the discoveries of humanity, it had
continued to resolutely reject overwhelming evidence, thus, ostracizing anyone
who did not believe in the movement of the sun around the Earth or the six days
of creation? How would “enlightened nations” have retained any shred of
credibility if they continued to champion a religious system that taught such
obvious errors as steadfast beliefs? Whenever any evidence has been established
conclusively, the Church has sensibly supported this evidence. If the facts of
human life are proven to be irreconcilable without reincarnation, if certain
points of Church dogma can only be explained by such means, the Church will be
forced to acknowledge its truth. It will have to confess that the apparent
antagonism between these two arguments is superfcial. Religion has no more to
fear from the acceptance of this doctrine than from the discovery of Earth’s movement
and geologic time periods, which outwardly appear to contradict the sacred
texts. In reality, reincarnation is implied in many passages of the Scriptures,
and is explicitly noted in the Gospels:
“As they were coming down from the mountain, Jesus charged
them, ‘Tell no one about the vision until the Son of Man has been raised from
the dead.’ Then, his disciples asked him, ‘Why do the scribes say that Elijah
must come frst?’ He said in reply, ‘Elijah will indeed come and restore all
things. But I tell you that Elijah has already come, and, they did not
recognize him, but did to him whatever they pleased. So also will the Son of
Man suffer at their hands.’ Then the disciples understood that he was speaking
to them of John the Baptist.” (Matthew, 17: 9-13)
Since John the Baptist was Elijah, this implies that
Elijah’s spirit or soul must have reincarnated in the body of John the Baptist.
Whatever our opinion about reincarnation is,
regardless of whether we accept it or reject it, we will, if it exists, have no
choice but to experience it. The crucial point here is that the spirits’
teachings are predominantly Christian. They are founded on the concepts of the
immortality of the soul, future rewards and atonements, God’s justice, free
will, and Christ’s moral code. For that reason, it cannot be considered
anti-religious.
We have discussed this subject without referring to any of the spirits’ statements because they do not constitute an offcial authority for many people. If we, and so many others, have adopted the belief in multiple lives, it is not simply because the spirits have preached it. The reason is that it is rational and resolves inconsistencies that would otherwise be impossible to explain. If a person suggested it to us, we would adopt it assuredly and quickly. We would renounce our preconceived notions because when there is proof that an opinion is fawed even self-love has more to lose than to gain if it clings to it stubbornly. Likewise, we would reject the theory of reincarnation if it appeared to confict with reason, even if preached by the spirits, just as we have rejected many other ideas they suggested. We have learned by experience that we cannot blindly accept ideas suggested by spirits or people alike. The biggest advantage in support of reincarnation is that it is incredibly rational. It also has the confrmation of facts – both positive and material – that are clear to all who study the subject patiently and purposefully. This eradicates any possibility of doubt as to the reality of reincarnation. When this affrmation become widespread those who currently oppose it will be forced to relinquish their opposition. This is precisely what happened with ideas concerning the formation and rotation of the Earth.
In summary, the theory of multiple lives is the only
one that explains what is otherwise inexplicable. It is comforting and it
complies with the concept of fair justice perfectly. It is the life preserver
that God throws to humanity.
The words of Jesus leave no doubt regarding this last
statement. As we read in the 3rd chapter of the Gospel according to John:
Verse 3. Jesus’ reply to Nicodemus, “Very truly I tell
you, no one can see the kingdom of God unless they are born again,”
Verse 4. Nicodemus said to him, “How can someone be
born when they are old? Surely they cannot enter a second time into their
mother’s womb to be born!”
Verse 5. Jesus answered, “Very truly I tell you, no
one can enter the kingdom of God unless they are born of water and the Spirit.
Flesh gives birth to fesh, but the Spirit gives birth to spirit. You should not
be surprised at my saying, You must be born again.” (John 3:3-7) (See the
article Resurrection of the Body, no. 1010, hereinafter)
THE SPIRITS' BOOK – Allan Kardec.
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