Amanhecia...
Afigurou-se-me, então, alcançar uma trégua a tantos padecimentos. Parecia
prestes a dormir, mas, sob as mesmas impressões de dor e mal-estar, envolvia-me
nas influências do sono, embora sendo presa de indescritíveis pesadelos. Ouvi
tudo quanto se pronunciou ao redor de meu leito e vi a ansiedade de quantos
dele se abeiravam, mas todas essas impressões eu as recebia como se estivesse
mergulhada em mau sonho.
Desejei falar,
manifestar vontades e pensamentos; isso, porém. Era impossível. Contemplei pesarosa
a imagem do Crucificado, que me puseram nas mãos enlanguecidas e quis
sinceramente pensar nele, orar com unção, segundo os meus hábitos. Todavia,
reconhecendo-me cheia de vida, não obstante as dores, pairavam os meus sentidos
como numa esquisita atmosfera de sonho...
Percebi todos os
carinhos que dispensaram ao meu corpo e que me foram igualmente proporcionados
em vida; e ouvi as lamentações de quantos deploravam a minha ausência. Ansiava
por movimentar-me sem que membro algum obedecesse aos meus impulsos, e, outras
vezes, fazia inauditos esforços para despertar-me, fugindo de tão singular
pesadelo. Afigurava-se que me cobriam de flores e sentia a carícia dos braços
dos meus filhos, enlaçando-me com amargurada ternura; e dizia-lhes, mentalmente,
entre lágrimas:
- Meus filhos,
eu não morri!... Aqui estou e sinto-me realmente mais forte para vos proteger e
amar. Por que chorais aumentando a minha angústia?
Mas tinha a boca
hirta e os braços gelados para retribuir aquelas expansões de desvelado
carinho!
Apenas possuía a
sensação de lágrimas ardentes, que me rolavam sobre as faces descoloridas, como
a estátua viva da amargura e do silêncio.
Livro Cartas de
uma Morta - Psicografia Chico Xavier.
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