sábado, 5 de março de 2022

Causas anteriores das aflições / PAST CAUSES OF AFFLICTIONS.

6. Mas, se há males nesta vida cuja causa primária é o homem, outros há também aos quais, pelo menos na aparência, ele é completamente estranho e que parecem atingi-lo como por fatalidade. Tal, por exemplo, a perda de entes queridos e a dos que são o amparo da família. Tais, ainda, os acidentes que nenhuma previsão poderia impedir; os reveses da fortuna, que frustram todas as precauções aconselhadas pela prudência; os flagelos naturais, as enfermidades de nascença, sobretudo as que tiram a tantos infelizes os meios de ganhar a vida pelo trabalho: as deformidades, a idiotia, o cretinismo, etc.

Os que nascem nessas condições, certamente nada hão feito na existência atual para merecer, sem compensação, tão triste sorte, que não podiam evitar, que são impotentes para mudar por si mesmos e que os põe à mercê da comiseração pública. Por que, pois, seres tão desgraçados, enquanto, ao lado deles, sob o mesmo teto, na mesma família, outros são favorecidos de todos os modos?

Que dizer, enfim, dessas crianças que morrem em tenra idade e da vida só conheceram sofrimentos? Problemas são esses que ainda nenhuma filosofia pôde resolver, anomalias que nenhuma religião pôde justificar e que seriam a negação da bondade, da justiça e da providência de Deus, se se verificasse a hipótese de ser criada a alma ao mesmo tempo que o corpo e de estar a sua sorte irrevogavelmente determinada após a permanência de alguns instantes na Terra. Que fizeram essas almas, que acabam de sair das mãos do Criador, para se verem, neste mundo, a braços com tantas misérias e para merecerem no futuro uma recompensa ou uma punição qualquer, visto que não hão podido praticar nem o bem, nem o mal?

Todavia, por virtude do axioma segundo o qual todo efeito tem uma causa, tais misérias são efeitos que hão de ter uma causa e, desde que se admita um Deus justo, essa causa também há de ser justa. Ora, ao efeito precedendo sempre a causa, se esta não se encontra na vida atual, há de ser anterior a essa vida, isto é, há de estar numa existência precedente. Por outro lado, não podendo Deus punir alguém pelo bem que fez, nem pelo mal que não fez, se somos punidos, é que fizemos o mal; se esse mal não o fizemos na presente vida, tê-lo-emos feito noutra. É uma alternativa a que ninguém pode fugir e em que a lógica decide de que parte se acha a justiça de Deus.

O homem, pois, nem sempre é punido, ou punido completamente, na sua existência atual; mas não escapa nunca às consequências de suas faltas. A prosperidade do mau é apenas momentânea; se ele não expiar hoje, expiará amanhã, ao passo que aquele que sofre está expiando o seu passado. O infortúnio que, à primeira vista, parece imerecido tem sua razão de ser, e aquele que se encontra em sofrimento pode sempre dizer: “Perdoa-me, Senhor, porque pequei.”

7. Os sofrimentos devidos a causas anteriores à existência presente, como os que se originam de culpas atuais, são muitas vezes a consequência da falta cometida, isto é, o homem, pela ação de uma rigorosa justiça distributiva, sofre o que fez sofrer aos outros. Se foi duro e desumano, poderá ser a seu turno tratado duramente e com desumanidade; se foi orgulhoso, poderá nascer em humilhante condição; se foi avaro, egoísta, ou se fez mau uso de suas riquezas, poderá ver-se privado do necessário; se foi mau filho, poderá sofrer pelo procedimento de seus filhos, etc.

Assim se explicam pela pluralidade das existências e pela destinação da Terra, como mundo expiatório, as anomalias que apresenta a distribuição da ventura e da desventura entre os bons e os maus neste planeta. Semelhante anomalia, contudo, só existe na aparência, porque considerada tão-só do ponto de vista da vida presente. Aquele que se elevar, pelo pensamento, de maneira a apreender toda uma série de existências, verá que a cada um é atribuída a parte que lhe compete, sem prejuízo da que lhe tocará no mundo dos Espíritos, e verá que a justiça de Deus nunca se interrompe.

Jamais deve o homem olvidar que se acha num mundo inferior, ao qual somente as suas imperfeições o conservam preso. A cada vicissitude, cumpre-lhe lembrar-se de que, se pertencesse a um mundo mais adiantado, isso não se daria e que só de si depende não voltar a este, trabalhando por se melhorar.

8. As tribulações podem ser impostas a Espíritos endurecidos, ou extremamente ignorantes, para levá-los a fazer uma escolha com conhecimento de causa. Os Espíritos penitentes, porém, desejosos de reparar o mal que hajam feito e de proceder melhor, esses as escolhem livremente. Tal o caso de um que, havendo desempenhado mal sua tarefa, pede lha deixem recomeçar, para não perder o fruto de seu trabalho. As tribulações, portanto, são, ao mesmo tempo, expiações do passado, que recebe nelas o merecido castigo, e provas com relação ao futuro, que elas preparam. Rendamos graças a Deus, que, em sua bondade, faculta ao homem reparar seus erros e não o condena irrevogavelmente por uma primeira falta.

9. Não há crer, no entanto, que todo sofrimento suportado neste mundo denote a existência de uma determinada falta. Muitas vezes são simples provas buscadas pelo Espírito para concluir a sua depuração e ativar o seu progresso. Assim, a expiação serve sempre de prova, mas nem sempre a prova é uma expiação. Provas e expiações, todavia, são sempre sinais de relativa inferioridade, porquanto o que é perfeito não precisa ser provado. Pode, pois, um Espírito haver chegado a certo grau de elevação e, nada obstante, desejoso de adiantar-se mais, solicitar uma missão, uma tarefa a executar, pela qual tanto mais recompensado será, se sair vitorioso, quanto mais rude haja sido a luta.

Tais são, especialmente, essas pessoas de instintos naturalmente bons, de alma elevada, de nobres sentimentos inatos, que parece nada de mau haverem trazido de suas precedentes existências e que sofrem, com resignação toda cristã, as maiores dores, somente pedindo a Deus que as possam suportar sem murmurar. Pode-se, ao contrário, considerar como expiações as aflições que provocam queixas e impelem o homem à revolta contra Deus. Sem dúvida, o sofrimento que não provoca queixumes pode ser uma expiação; mas, é indício de que foi buscada voluntariamente, antes que imposta, e constitui prova de forte resolução, o que é sinal de progresso.

10. Os Espíritos não podem aspirar à completa felicidade, enquanto não se tenham tornado puros: qualquer mácula lhes interdita a entrada nos mundos ditosos. São como os passageiros de um navio onde há pestosos, aos quais se veda o acesso à cidade a que aportem, até que se hajam expurgado. Mediante as diversas existências corpóreas é que os Espíritos se vão expungindo, pouco a pouco, de suas imperfeições. As provações da vida os fazem adiantar-se, quando bem suportadas. Como expiações, elas apagam as faltas e purificam. São o remédio que limpa as chagas e cura o doente. Quanto mais grave é o mal, tanto mais enérgico deve ser o remédio. Aquele, pois, que muito sofre deve reconhecer que muito tinha a expiar e deve regozijar-se à ideia da sua próxima cura. Dele depende, pela resignação, tornar proveitoso o seu sofrimento e não lhe estragar o fruto com as suas impaciências, visto que, do contrário, terá de recomeçar.

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Allan Kardec.

6. Although there are misfortunes in this life caused by Man himself, there are also others which seem to be completely strange to him and which touch him like fate. For example: the loss of a loved one or the bread winner of a family; accidents which no amount of foresight could have prevented; reverses in fortune which precautions and judicial counselling could not avoid; natural disasters; infirmities from birth, specially those which make work or the earning of a livelihood impossible, such as deformities, insanity, idiocy, etc.

Those who are born with restricting conditions like those mentioned, have done nothing in their present life to deserve such a sad fate, which they could not avoid and are totally impotent to change, which leaves them at the mercy of public commiseration. Why then are there these unhappy beings, when beside them, under the same roof, in the same family, are others who have been blessed in every way? In short, what can be said of children who die at a tender age and who, during their short life, knew only suffering? These are problems which as yet no philosophy has been able to find a solution for, anomalies which no religion has been able to justify and which appear to be a contradiction of goodness, justice and God's Divine Providence. If the hypothesis of the soul being created at the same time as the body and that of destiny being irrevocably determined after but a few instants upon Earth were to be verified, this would indeed be the case. If these creatures had just left the hands of the Creator, what had caused them to come into the world to face such misery? How could they have received any recompense or punishment seeing that they had been unable to practice either good or bad?

Nevertheless, by virtue of the axiom according to which every effect has a cause, these miseries are effects which have to have a cause, and if we admit that God is just, then that cause must also be just. Therefore as an effect is always preceeded by a cause, and if that cause is not to be found in the present life, then it follows it must come from before this life, that is to say from a preceding life. On the other hand, God, being unable to punish goodness that has been done or badness that has not been done, it follows that if we are being punished then wrong must have been committed. If that wrong is not of the present life then it must come from a past existence. This is an alternative that no one can avoid and where logic determines on which side God's justice lies.

Man is not always punished or completely punished in the present life, but he cannot escape the consequences of his faults indefinitely. The prospering of badness or evil is but temporary, for if he does not atone today then he will atone tomorrow. Likewise, he who suffers is atoning for his past. Misfortunes which appear at first sight to be undeserved have their reason to be. Those who find themselves in a state of suffering may always say: "Lord forgive me, for I have sinned."

7. Sufferings due to causes prior to the present existence, as well as those which originate from present causes, are frequently the consequences of errors which have been committed. That is to say through the action of a rigorously distributive justice, we come to suffer what we have made others suffer. If we have been hard and inhumane we may be treated with harshness and inhumanity; if we were too full of pride we may be born in humble circumstances; if we have been miserly, selfish or made bad use of our riches we may find ourselves deprived of the necessary means of survival; if we have been a bad son or daughter we may suffer from the behaviour of our children.

It is only through the plurality of existences and the destiny of the planet as a world of atonement, which it now is, that we can explain the abnormalities in the distribution of happiness or unhappiness amongst good and bad alike. Nevertheless, these abnormalities exist only in appearance, due to the fact that they are considered solely from the point of view of the present. If we elevate ourselves, by means of thought, in such a way as to see a succession of existences, we will perceive that to each one is given what is deserved, after taking into consideration that which was gained in the spiritual world. Only then does it become apparent that God's justice is uninterrupted.

Man must never forget that he finds himself in an inferior world to which he is confined, due exclusively to his imperfections. Each time he suffers a vicissitude he must remember that if he belonged to a more advanced world these things would not happen, and that it depends on himself alone to see that he never returns to this world, by working harder to improve himself.

8. Tribulations may be imposed on Spirits who are ignorant or who have become hardened, in order to induce them to make a choice with knowledge of what they are doing. Repentant Spirits who wish to repay the evil they have committed and who desire to behave better, are free to make their own choice. Such was the understanding of one Spirit who, after having failed to complete a task, asked to be allowed to repeat it so as not to lose the benefit of his work. Therefore tribulations are at the same time atonements for the past, for which we receive the deserved retribution, and also tests relating to the future, which we are preparing. We offer thanks to God who, in His goodness, helps Man to repay his debts and does not irrevocably condemn the first fault.

9. It is not to be thought, however, that all suffering in this world denotes the existence of a determined shortcoming. Many times it is simply an ordeal requested by the Spirit, which will help it towards purification and active progress. So atonement is always a test, but a test is not always an atonement. Tests and atonements though, are always signs of a relative inferiority, as that which is perfect needs no testing. Nevertheless, it is possible that a Spirit, having reached a certain degree of elevation and being desirous of further progress, may request a mission or task to perform by means of which he or she will be more or less compensated, depending on whether or not they are victorious, and according to the difficulty of the requested test. These then are those people who have naturally good instincts, whose souls are elevated and who possess inborn sentiments. They apparently bring nothing from their past existences and who despite great torments, suffer with true Christian resignation, asking only that God help them to support their trials without complaining. On the other hand, we may consider as atonements those afflictions which provoke complaint and which cause revolt against God.

Beyond doubt the suffering which does not provoke complaint can also be considered as atonement. But this indicates it was voluntarily sought rather than imposed. This constitutes a test of our strength of resolution, which in itself is a sign of progress.

10. Spirits cannot aspire to complete happiness till they have become pure. Any kind of stain prohibits entrance into the blissful worlds. It is like the passengers on a plagued ship who find themselves prohibited from entering port until they have undergone a cleansing. The imperfections of Spirits are slowly overcome by means of various corporeal lives. The tribulations of life, when well supported, help them towards progress. They erase faults and find purification by means of atonement, which is the remedy which cleanses the sores and heals the sick. The more grave the illness, the more energetic must be the remedy. Therefore, those who suffer greatly must realise that they have most to atone for, and should rejoice in the proximity of the cure. It will depend on each one to take every advantage from suffering, by being resigned and not spoiling things with impatience, seeing that, if that be the case, they will then have to begin all over again.

THE GOSPEL ACCORDING TO SPIRITISM - Allan Kardec.

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