Um desconhecido
cumprimentou-me na rua e foi logo dizendo:
- O senhor não
me conhece, mas eu o conheço.
Sei que é
espírita. Gostaria de fazer-lhe algumas perguntas.
- Se souber
responder, tudo bem.
- É fácil. Quando
criança, apanhava de seu pai?
- Fui um menino
comportado...
- Mas apanhou
algumas vezes?
- Poucas...
- Seu pai chegou
a castigá-lo sem que o senhor soubesse o motivo?
- Não! Meu pai
não faria isso.
Seria um
absurdo!...
Meu interlocutor
sorriu, triunfante.
- É por isso que
não acredito na Reencarnação.
Vocês espíritas
dizem que sofremos para pagar dívidas de outras existências.
Só que ninguém
sabe o que fez.
Apanhamos sem
conhecer o motivo.
E afastou-se
rapidamente, sem dar-me tempo para lhe perguntar se preferiría apanhar sem
merecer.
É esta a idéia
que fica quando eliminamos o princípio das vidas sucessivas.
Nasce uma
criança cega.
O Espiritismo
explica que é o seu carma. Ela comprometeu-se em existências anteriores com delitos
que justificam a cegueira.
Se não aceitamos
isso será forçoso admitir que Deus foi injusto, impondo-lhe terrível e
imerecido sofrimento.
Um amigo,
tentando contornar a dificuldade de explicar o enigma das grandes dores sem a
chave da Reencarnação, explicava convicto:
- Deus faz
sofrer àqueles que ama, preparando-os para o Céu.
Incrível!
Deus tem
preferências!
Quem mais sofre
é porque Deus lhe tem mais amor!
Quem pouco
sofre, Deus pouco ama!
E quem não
sofre? Deus não lhe tem amor?!
*
As pessoas que
não acreditam na Reencarnação porque não recordam o passado assemelham-se aos
materialistas que não acreditam em Deus porque não o vêem.
Um deles, sempre
que alguém tentava convencê-lo, dizia solenemente:
- Dou exatamente
dois minutos para que Deus apareça à minha frente, provando sua existência! Muito
sério, observava o relógio.
Após o tempo proposto,
proclamava vitorioso:
- Aí está! Deus
não existe.
Se existisse
teria aceito meu desafio!...
Um tolo que
pretendia ser esperto.
Se o fosse,
realmente, saberia que é facílimo provar a existência de Deus, partindo do
velho axioma:
“Não há efeito
sem causa”.
Se o Universo é
um efeito inteligente, tão perfeito que assombra os estudiosos, necessariamente
tem uma causa inteligente, um criador, que as religiões denominam Deus.
Assim,
literalmente, podemos enxergar Deus em sua obra: na beleza da flor, na
majestade do oceano, no sorriso da criança, nos mundos que se equilibram no
espaço...
A Reencarnação
não é um princípio dogmático que se deva aceitar sem discutir, mesmo porque há
evidências científicas nas pesquisas de regressão de memória, sob hipnose, em
que o indivíduo é levado a recordar o pretérito remoto, muito além da vida
intra-uterina.
Albert de
Rochas, famoso pesquisador francês, conseguia que alguns de seus pacientes
regredissem a cinco existências anteriores. Há pessoas que recordam
espontaneamente.
No livro “A
Reencarnação no Brasil”, o Dr. Hernani Guimarães Andrade, ilustre parapsicólogo
brasileiro, reporta-se a vários exemplos ocorridos em nosso país, com
impressionante riqueza de detalhes. Importante destacar que até os sete anos,
quando se completa o processo reencarnatório, é comum a criança apresentar
vagas reminiscências do pretérito, ininteligíveis para os pais, que as tomam à
conta de fantasias infantis.
E como, sem a
Reencarnação, justificar as crianças-prodígio? Mozart, aos quatro anos
executava sonatas; aos onze compôs duas óperas. Beethoven, aos dez anos já era
notável pianista. Liszt compôs sua primeira ópera aos quatorze anos. Miguel
Ângelo foi dispensado pelo seu mestre escultor, aos oito anos, sob a alegação
de que não havia mais nada a lhe ensinar. Pascal, aos treze anos ombreava-se
com os sábios de sua época.
O menino Victor
Hugo escrevia poesias tão belas, com tal capacidade de versificação, que era
chamado “a criança sublime”. William Hamilton estudava o hebraico aos três
anos; aos oito era espantoso seu conhecimento de matemática, igualado por raros
professores. Fica difícil explicar a habilidade, a técnica e, sobretudo, os
conhecimentos desses gênios, sem aceitar que traziam imensa bagagem de vidas
anteriores.
* * *
Para quem prefira,
há fundamentos religiosos.
A concepção
reencarnacionista está presente nos textos sagrados de todas as civilizações,
desde as mais antigas, como a hindu, a egípcia, a chinesa...
e também na
Bíblia. No Novo Testamento vemos Jesus falar inúmeras vezes a respeito do
assunto, a começar pelo célebre diálogo com Nicodemos (João, 3:1 a 21), onde
proclama ser indispensável o renascimento para entrar no Reino de Deus, e
explica ao atônito doutor da Lei como pode um homem velho tornar-se criança
novamente.
Mais incisiva é
a passagem em que os discípulos lhe perguntam sobre a vinda de Elias (segundo
as tradições bíblicas, aquele profeta, que vivera há nove séculos, deveria
voltar à Terra como precursor do Messias, preparando seus caminhos). Jesus responde
que Elias já viera e que os homens tinham feito com ele o que lhes aprouvera. O
evangelista Mateus, que registrou o episódio (17: 9 a 13), termina
significativamente o relato, revelando: “Então os discípulos entenderam que
lhes falara a respeito de João Batista” (este tinha sido decapitado, a mando de
Herodes).
* * *
E há os
fundamentos filosóficos, decisivos, irresistíveis...
Sem a
anterioridade da vida física como explicara diversidade de condições físicas,
mentais, morais, espirituais, sociais, culturais, existente na Terra? Como
justificar o gênio contrapondo-se com o idiota? O santo e o facínora? O
virtuoso e o viciado? O atleta e o aleijado? O sábio e o obtuso? Como aceitar a
justiça de Deus sem conceber esse encadeamento de múltiplas existências, onde,
quais alunos matriculados num educandário, recebemos lições compatíveis com nossas
necessidades evolutivas?
* * *
Nesse contexto,
há razões para o esquecimento.
Em primeiro
lugar por uma questão de limitação física. Nosso corpo não possui a complexidade
e o desenvolvimento neurocerebral que comportem a consciência de experiências
não registradas pelos cinco sentidos: o tato, o paladar, o olfato, a audição e
a visão. Somente em circunstâncias especiais a memória extracerebral, do
Espírito, faculta-nos um contato com nosso passado.
Há um motivo de
ordem prática: cada existência encerra em si mesma um ciclo de experiências que
seriam embaralhadas, confundindo-nos se estivéssemos de posse das lembranças do
pretérito, impondo-nos, não raro, constrangimentos insuperáveis e
perturbadores. Imaginemos uma criança a contestar o parentesco com pais e
irmãos, alegando ter outra família; o adolescente que enxerga no pai de hoje o
filho de ontem, ou na irmã de ontem a mãe de hoje; o homem que possuía brilhante
inteligência e agora experimenta as limitações de um cérebro deficiente; o
pária que foi nobre; o racista que se vê filho da raça que oprimiu...
Sem “passar
borracha no passado” tais situações seriam muito complicadas. Sobretudo seria
difícil vencer um dos mais graves problemas humanos: o ódio, que é a negação
dos princípios de fraternidade que regem o Universo.
Obedecendo aos
imperativos da reconciliação, inimigos ferrenhos reencontram-se no lar, ligados
pelos laços da consanguinidade, a ensejar que, pela convivência, a animosidade
seja superada. Mas como poderá isso ocorrer sem a bênção do esquecimento?
Como abraçará um
pai ao filho, sabendo que ele é um odiado desafeto?
Como abrigará o
filho, em seu carinho, uma mãe que identifica nele alguém que a desgraçou?
Como, irmãos que
foram adversários figadais, dispor-se-ão à reconciliação?
Fica difícil
cultivar o amor guardando os motivos que geraram o ódio. E todos temos, no
círculo familiar, programas dessa natureza.
O próprio
relacionamento difícil, frequente entre membros da família, indica que ali
estão desafetos chamados à harmonização.
Olvidaram as
ofensas ao reencarnar mas conservam, nos refolhos da consciência, a mágoa do
passado.
* * *
O esquecimento
situa-se, sobretudo, por manifestação da Misericórdia Divina, oferecendo-nos a
bênção do recomeço.
Imaginemos um
homem comprometido com crimes e viciações, colhido nas grades do remorso, que
experimenta o despertar da consciência, acicatando-o tão fortemente que o faz
sentir-se o mais miserável dos seres, paralisando-lhe as iniciativas...
Essa é a
situação do Espírito desencarnado quando contempla o passado de desatinos.
- Ah! Se fosse
possível enfrentar os labores da redenção sem lembranças torturantes!...
È exatamente
isso que Deus nos oferece: a misericórdia do esquecimento para que, na
abençoada oportunidade do recomeço, enfrentemos progressivamente o resgate de
nossos débitos sem nos afogarmos no oceano de nossas culpas.
- Cultive uma
“consciência reencarnatória”, concebendo nossa condição de Espíritos em
trânsito pela carne. Fica maisfácil enfrentar dores, problemas e dificuldades
situando-os por lições que se repetem no educandário terrestre, em favor de
nossa evolução.
- Combata
eventuais sentimentos negativos em relação a familiares. Com o exercício da
fraternidade é possível “queimar etapas ” no indispensável e árduo caminho da
reconciliação.
- Aprenda a
identificar tendências inferiores em si mesmo, combatendo-as com persistente
disposição.
Responsáveis
pelos nossos fracassos no passado, constituem permanente ameaça às
oportunidades de edificação no presente.
Livro: UMA RAZAO
PARA VIVER
Richard
Simonetti.