O ancião
descansava em tosco banco, à sombra de uma árvore, quando foi abordado pelo
motorista de um automóvel que estacionou a seu lado:
- Bom dia!
- Bom dia!
- Mora aqui?
- Sim, há muitos anos...
- Venho de mudança. Gostaria de saber
como é o povo.
- Fale antes da cidade de onde vem.
- Ótima. Maravilhosa! Gente boa,
fraterna... Fiz muitos amigos. Só a deixei por imperativos da profissão.
- Pois bem, meu filho. Esta cidade é
exatamente igual. Vai gostar daqui.
O forasteiro agradeceu e partiu. Minutos
depois apareceu outro motorista:
- Estou chegando para morar aqui. O que
me diz do lugar?
- Como é a cidade de onde saiu?
- Horrível! Povo orgulhoso, cheio de
preconceitos, arrogante! Não fiz um único amigo!
- Sinto muito, meu filho, pois aqui você
encontrará o mesmo ambiente...
* * *
Vemos nas
pessoas algo do que somos, do que pensamos, de nossa maneira de ser.
Se o indivíduo é
nervoso, agressivo ou pessimista, verá tudo pela ótica de suas tendências,
imaginando conviver com gente assim.
Há iniciantes
espíritas que, no primeiro contato com o Centro Espírita, integram-se, sentindo
que o ambiente é bom, o pessoal é fraterno, fácil de conviver e de fazer
amizade.
E há os que, no
mesmo grupo, reclamam de frieza dos companheiros, desatenção dos dirigentes,
falta de comunicação. Estes acabam transferindorse para outro Centro, onde encontram
idênticos problemas que, basicamente, residem em si mesmos.
Pessoas assim
atormentam-se com a convicção de que ninguém as entende, ninguém as estima,
ninguém lhes têm consideração. Semelhante atitude é um desastre, conturbando-lhes
o psiquismo e favorecendo o envolvimento com influências espirituais que realimen-tam
indefinidamente seus “grilos” e exacerbam suas angústias.
* * *
É preciso “mudar
de óculos”. Evitar “lentes negras”, a visão escura, sombria, pesada, densa...
Com “lentes
claras”, de otimismo e alegria, enxergaremos melhor, caminharemos com mais
segurança, sem tropeços indesejáveis, sem distorções da realidade.
Uma visão pouco
objetiva da Lei de Causa e Efeito, se usamos “óculos negros”, pode resultar em
lamentáveis enganos no enfoque existencial, com a impressão paralisante de que tudo
é carma, até a infelicidade.
- Meu carma, nesta vida, é a
impossibilidade de ser feliz! Carrego pesada cruz, transitando por espinhentos
caminhos!...
Temos aqui uma
obra prima de pessimismo. Quem assim fala não entendeu o Espiritismo. O carma
diz respeito a situações educativas que, mesmo quando insuperáveis, não têm
necessariamente que afetar nossos estados de ânimo, enterrando-nos nas profundezas
da depressão e do desânimo.
A felicidade não
é um favor do Céu, assim como a infelicidade não é uma imposição do destino.
Ambas dependem muito mais do que oferecemos à Vida e muito menos do que dela
recebemos.
O indivíduo pode
nascer sem braços, ter grave enfermidade congênita, sofrer irreparável perda
material, enfrentar sérios embaraços no relacionamento familiar - cumprindo seu
carma - e áinda assim conservar a capacidade de ser feliz. Depende exclusivamente
dele, de como enfrenta seus problemas.
O carma é
imposição das Leis Divinas, nos caminhos da regeneração. A felicidade não tem
nada a ver com ele, porquanto é uma construção que devemos erguer na intimidade
de nós mesmos, pensando e realizando o Bem.
Lembrando uma velha expressão: “A
felicidade não é uma estação, na viagem da existência; felicidade é uma maneira
de viajar”.
* * *
Se usarmos
“óculos claros”, sentiremos que em todas as situações sempre há aspectos positivos
e é neles que devemos fixar nossa atenção, aproveitando as experiências que
Deus nos oferece e fazendo o melhor.
No folclore
evangélico conta-se que certa feitajesus seguia com os discípulos por uma
estrada quando deparou com um cão morto, já em início de decomposição. Os discípulos
reclamaram do mau cheiro, mas o Mestre, após contemplar por alguns instantes o animal,
comentou com simplicidade:
- Que belos dentes tem esse cão!...
A maneira como
vemos tem influência decisiva em tudo o que fazemos, até na atividade
profissional.
Um fabricante de
calçados enviou dois vendedores para uma região subdesenvolvida, a fim de
avaliaras possibilidades de vendas.
O primeiro, após alguns dias de
pesquisa, telegrafou:
- Mercado péssimo. Todos andam
descalços.
O segundo, com idêntico levantamento,
informou:
- Mercado promissor. Ninguém tem sapato.
* * *
Não é fácil
“mudar de óculos”, cultivar otimismo irrestrito, ver o lado positivo das situações
e das pessoas, mesmo porque estamos condicionados por seculares tendências negativas.
No entanto, em nosso próprio benefício, é preciso iniciar um treinamento nesse sentido,
considerando que “princípio de angu é mingau”. Com boa vontade e perseverança chegaremos
lá.
Conhecemos
companheiros que alcançaram importantes realizações no cultivo do otimismo.
Diante de um
acidente de automóvel, um deles nos informou: “Foi terrível. O carro ficou
inutilizado, mas graças a Deus foi só prejuízo material. Eu e minha esposa
saímos praticamente ilesos, com leves escoriações. Espiritualmente, lucrei. Eu
era afoito. Corria muito nas estradas. Agora respeito as regras de trânsito.
Dirijo com prudência”.
Outro, às voltas
com problemas domésticos, revela : “Meus familiares me santificam, apontando
minhas mazelas e oferecendo-me preciosa oportunidade de testar o aprendizado de
princípios religiosos”.
Um terceiro,
portador de insidiosa moléstia de pele, que inundou de pústulas horríveis e
repugnantes seu corpo, deixando-o com assustadora aparência, tranquiliza-va os visitantes:
“Não se assustem, nem se condoam. É apenas um eficiente tratamento de beleza para
meu Espírito”.
* * *
E tudo uma
questão de ótica. Tudo fica mais claro e fácil se usamos “óculos'’ adequados.
O pior problema,
a situação mais difícil, a doença mais insidiosa, a família mais complicada,
são aceitáveis, se o olhar vai além das contingências humanas.
Num hospital,
especializado em tratamento do câncer, onde é importante uma atitude otimista
em favor da recuperação, há significativa e edificante orientação poética,
exposta em pequeno quadro. Ela diz tudo sob a ótica insuperável do Cristo :
O Mundo tem sua cor...
E você que mede o mundo e o vê como é
você.
Se você põe óculos de bondade, de amor,
Tudo é belo, positivo,
Porque positivo e belo está você.
Se você é vingativo,
Invejoso, egoísta,
Vê o Mundo desse jeito,
Porque desse jeito é você.
Do modo que você fala,
Do modo que você vê,
Do modo que você pensa,
Desse modo é você.
Você é a medida do seu mundo,
Mas... que felicidade! Que alegria!
Se Cristo fosse a medida de você!
*
- Não reclame
dos percalços da existência. As situações difíceis podem impedir que sejamos
plenamente felizes, mas seremos decididamente infelizes se nos empolgarmos com elas.
- Encare com bom ânimo os problemas de
cada dia, situando-os por experiências necessárias e valiosas. Quanto mais
azedo o limão, melhor a limonada, se usarmos de otimismo - o açúcar da Vida.
- Não tente “mudar o Mundo ”, impondo
sua maneira de ser àqueles que o rodeiam.
Só nos êlícito e
necessário mudar a nós mesmos, no empenho por superarmos os aspectos negativos
de nosso comportamento.
- Harmonize suas aspirações com os
objetivos da jornada humana, cultivando os valores do Bem. Nada nos induzirá ao
desalento se estivermos empenhados em colaborar com Deus na edificação de Seu
Reino na Terra.
Livro:
UMA RAZAO PARA VIVER
Richard Simonetti.