Vendo Deus os
homens se hostilizarem numa vida de egoísmo — uns amontoando haveres, outros
sucumbindo rotos e famintos, uns governando como tiranos, outros obedecendo
como escravos —, chamou Jesus, e disse-lhe: "Filho bem-amado; vai à Terra,
e dize àquela gente que eles todos são irmãos, filhos meus, criados por mim que
tenho reservado a todos igual destino. Ensina-lhes que minha lei é amor.
Esforça-te por fazê-los compreender essa lei; exemplifica-a do melhor modo
possível, ainda mesmo com sacrifício de tua parte. Quero, faço empenho que o
egoísmo desmedido, que impera no coração do homem, seja substituído pelo amor.
Sei que isto é difícil, que vai custar muito, mas não importa: minha vontade é
essa. Tu serás a encarnação do meu verbo. Falarás aos homens, instruí-los-ás no
conhecimento desta verdade. Eu serei contigo."
Jesus, filho
dileto e obediente, ouviu a palavra do Pai, saturou-se dela, e, compenetrado da
missão que recebera, veio ao mundo.
Nasceu num
estábulo, para mostrar em que desprezo tinha as estultas vaidades deste meio.
Cresceu, fêz-se homem, e deu início ao cumprimento da ordem recebida. Começou a
instruir a Humanidade. Pregava nas praças públicas, nas praias do mar, nas ruas,
onde quer que se reunisse o povo. Percorria cidades, vilas e aldeias,
anunciando e exemplificando a lei do amor.
Dizia, dentre
outras coisas: Homens: vós sois irmãos; amai-vos mutuamente; pois em tal se
resume a única e verdadeira religião. A vossa sociedade está dividida; há entre
vós separações profundas. Uns dispõem do poder com tirania; outros se submetem
como servos. O grande oprime o pequeno. O fraco é esmagado pelo forte. Para os
ricos, todas as regalias, todos os privilégios; para os pobres, trabalhos e
angústias. Tendes concentrado toda a vossa aspiração na posse da terra com seus
bens. O egoísmo domina-vos. É necessário que vos reformeis. A existência, que
ora fruís no mundo, passa como uma sombra, é apenas uma oportunidade que o Pai
vos concede para conquistardes o futuro brilhante que Ele vos reserva. Aspirai
pois, de preferência, aos bens espirituais, que o ladrão não rouba, e a traça
não rói. Tal é a vontade do Pai. Vós o adorais com os lábios, mas não o fazeis
com o coração. Deus é espírito, e neste caráter deve ser compreendido. Ele não
está encarcerado nos templos de pedra como supõem os judeus em Jerusalém, e os
samaritanos em Garezim; mas, espírito que é, Ele se manifesta a todos que
invocam seu nome com fé, permanecendo em seu mandamento. A estes, Deus procura
para seus adoradores. Os ritos e cerimônias são coisas vãs, inventadas pelos
homens.
E enquanto assim
ia falando, Jesus curava toda a sorte de enfermos que encontrava, inclusive
leprosos, cegos de nascença, e paralíticos. E tudo fazia por amor; não recebia
nenhuma paga pelos benefícios que prodigamente distribuía.
O povo
escutava-o com avidez, sorvendo a largos haustos as boas novas que ele anunciava;
pois, até então, jamais alguém pregara semelhante doutrina de amor e de igualdade.
Grande era já o número dos que o seguiam e propagavam seus feitos.
O clero e as
autoridades começaram a inquietar-se vendo na doutrina de Jesus um perigo para
as instituições vigentes, e particularmente para os privilégios que desfrutavam
os representantes do Estado e da Igreja.
Os dois poderes
— o temporal e o espiritual — resolveram agir em defesa de seus mútuos
interesses seriamente ameaçados. Trataram, desde logo, de prender Jesus. Antes,
porém, de o fazer, prepararam o ânimo do povo, dizendo: o Nazareno é um impostor,
inimigo da Igreja e de César. Todos os prodígios que faz é por influência de Belzebu.
É um blasfemo, um herege, que nem sequer guarda a tradição de nossos pais, legada
por Moisés.
Sugestionado o
povo ignaro, restava consumar-se o delito. Prenderam o Enviado de Deus, e
levaram-no ao sinédrio.
Ali, os
sacerdotes o interrogaram, e acerbamente o acusaram. Jesus calaria. É indispensável
que morra, concluíram por unanimidade. Levemo-lo a Pilatos para que ele, na
qualidade de representante de César, lavre a sentença. E conduziram-no, sob
chufas e apupadas, até o palácio do preposto de César. Pilatos recebeu a
embaixada, e interpelou o pseudo-criminoso. Achou-o inocente. Voltando-se então
para os seus acusadores, disse: "Não vejo neste homem crime algum.
Proponho que seja absolvido”.
— Nunca! —
Bradaram em coro os sacerdotes, os escribas e os fariseus. — Preferimos perdoar
a Barrabás, o homicida. Quanto ao Nazareno queremos que seja crucificado. É
amotinador, é blasfemo, é endemoninhado, é louco; cura doentes de graça; nivela
senhores e escravos, nobres e plebeus; diz que se deve renunciar às riquezas,
que todos os homens são filhos de Deus, e que a religião é amor.
— Mas eu não
vejo nele crime algum. — Obtemperou o Procônsul romano.
— Se não
crucificares o Nazareno — retrucou o poviléu, instigado pelos sacerdotes —, não
és amigo de César, pois só a ele temos como rei, e Jesus se diz rei. Lavra a sentença;
do contrário apelamos para César.
Pilatos, acovardado
pela ameaça, entregou Jesus, para ser crucificado. E crucificaram-no, ladeado
por ladrões.
Antes, porém, de
Jesus exalar o derradeiro suspiro, voltou-se para umas mulheres piedosas, e
alguns discípulos fiéis, que choravam ao pé da cruz, e disse:
— Não vos
entristeçais; eu não vos deixarei órfãos, mas voltarei a vós. — E, levantando
os olhos para o céu, acrescentou: — Pai, cumpri o teu mandato. Fui até o sacrifício.
Traguei, até à última gota, o cálice da amargura. Os homens deste mundo são maus,
contudo, eu imploro para eles o teu perdão, porque também são ignorantes: não sabem
o que fazem. Julgam que podem contrariar os teus desígnios executando-me, a mim,
que fui o intérprete de tua palavra. Eu sei que tu farás prevalecer a tua
soberana vontade. E continuarei ao teu lado, agindo sob teu influxo, e, comigo,
aqueles que tu me deste.
Assim, mais dia
menos dia, a luz vencerá as trevas, a liberdade se oporá à escravidão, a
justiça destronará a tirania, e, ao reinado do egoísmo, sucederá o reinado do
amor. Passarão o céu e a terra, mas a tua palavra não passará. Recebe, Pai, o
meu espírito.
Livro: Nas
pegadas do Mestre.
Vinícius.
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