terça-feira, 18 de abril de 2017

O Livro dos Espíritos 160 anos - Relembrando suas origens.

“O livro dos espíritos é, sem a menor sombra de dúvida, um verdadeiro Sol. Quando o abrimos, ele nos ilumina; quando o fechamos, ele não se apaga, porque prossegue irradiando.” (1)
Pode-se afirmar que O livro dos espíritos surgiu de uma idéia e da iniciativa do professor francês Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804– 1869), que em 1854 começaria a ser informado por parte de amigos acerca dos fenômenos das mesas girantes. O primeiro deles, Fortier, comenta em duas ocasiões os efeitos do Magnetismo nas tables tournantes ou table-moving (para os ingleses). Não eram apenas as pessoas que podiam ser magnetizadas, informa em Obras póstumas, (2) “[…] mas também as mesas, conseguindo-se que elas girem e caminhem à vontade” (it. A minha iniciação no Espiritismo, p. 237). Logo depois Fortier acrescenta novas informações: “[…] não só se consegue que uma mesa se mova, magnetizando-a, como também que fale. Interrogada, ela responde” (p. 237 e 238).
Estava sendo dado o ponto de partida da vida missionária daquele que assinaria as obras da Terceira Revelação com o pseudônimo Allan Kardec.
Em 1855, surge outro amigo, Carlotti, natural da Córsega, ardoroso e enérgico, que reforça as informações sobre os inusitados fenômenos, destacando em seu diálogo com o famoso pedagogista, educador e ex-aluno de Johann Heinrich Pestalozzi (1746–1827), a partir de 1814, em Yverdon, na Suíça, a surpreendente informação acerca da intervenção dos Espíritos nesses fatos que atraíam inúmeros curiosos em Paris, os quais se reuniam nos salões de suas residências para praticar e observar esses fenômenos.
Carlotti faz um prognóstico ao professeur Rivail: “Um dia o senhor será dos nossos” (p. 239). O mestre das letras francesas, autor de várias obras didáticas, surpreendentemente não se abala ou desdenha os comentários e a conjetura do velho amigo de 25 anos. Responde-lhe de forma intuitiva, como se estivesse esperando, há muitos anos, aquele momento singular em sua diamantina vida: “Não direi que não […] veremos isso mais tarde” (p. 239).
E, efetivamente, passado algum tempo, o insigne diretor de educandários, tradutor de obras e contabilista dá início, no mês de maio de 1855, ao calendário da fase de observações dos fenômenos.  A primeira residência que visita é a da Sra. Roger, acompanhado pelo amigo Fortier, encontrando-se ali com o Sr. Pâtier e a médium Sra. Plainemaison.  Os comentários por parte dos anfitriões suscitam em Rivail “viva impressão”. Pâtier convida-o para assistir às reuniões experimentais que ocorriam na casa da referida médium, à rua Grange-Batelière, 18, Paris, e ele aceita, imediatamente.
O dia dessa histórica reunião passaria a ser célebre nos Anais do Espiritismo nascente: uma terça-feira de maio às oito horas da noite. Em outra reunião, no mesmo local, irá conhecer a família Baudin. As conexões e simpatia mútua são imediatas. Passa então a assistir, a convite do chefe da família, o Sr. Émile-Charles Baudin, às sessões semanais que se realizavam em sua residência à rua Rochechouart, das quais participavam sua esposa, Clémentine, e as filhas Julie e Caroline, respectivamente com 14 e 16 anos.
“Foi nessas reuniões que comecei os meus estudos sérios de Espiritismo […]” (p. 240), anotaria Rivail no livro das Previsões relativas ao espiritismo, manuscrito que redigiria com especial cuidado e que viria a lume somente em 1890, sob o título de Obras póstumas, contendo textos inéditos de sua lavra, graças à iniciativa de Pierre-Gaëtan Leymarie (1827–1901), amigo do casal Denizard.
Durante as sessões em que participava na casa da família Baudin, inicialmente não vislumbrou nenhum fim determinado para aquele movimento entre dois mundos que interagiam por meio de fenômenos e informações, aproveitando-os o professor Rivail para instruir-se pessoalmente. Foi quando notou que tudo aquilo “[…] constituía um todo e ganhava as proporções de uma doutrina […]” (p. 241). E teve um insight, “[…] a ideia de publicar os ensinos recebidos, para instrução de toda gente” (p. 241). Esses ensinos recebidos eram as “questões que, sucessivamente desenvolvidas e completadas, constituíram a base de O livro dos espíritos” (p. 241).
Emociona a anotação que fez sobre aqueles dias primordiais, daquelas primeiras horas de sua vida missionária:
[…] mais de dez médiuns prestaram concurso a esse trabalho. Da comparação e da fusão de todas as respostas, coordenadas, classificadas e muitas vezes retocadas no silêncio da meditação, foi que elaborei a primeira edição de O livro dos espíritos […]” (p. 242).
Ocorreram momentos especiais durante a elaboração da obra. Em 25 de março de 1856, no apartamento de Rivail, localizado na rua dos Martyrs, 8, segundo andar, ao fundo, o Mundo Espiritual, organizador e coordenador da concretização do advento do Consolador Prometido por Jesus (João, 14:15 a 17), demonstra a sua presença por meio de repetidas pancadas nas paredes da residência, para alertar o futuro Codificador do Espiritismo a respeito de um equívoco relativamente aos estudos que ele fazia e anotava no capítulo que escrevia acerca dos Espíritos e de suas manifestações. (it. Meu guia espiritual, p. 244.)
Há um instante em que, percebendo a importância e urgência do empreendimento, realiza em 10 de junho de 1856 reunião na casa do Sr. Roustan e, por meio da médium Srta. Ruth-Celine Japhet, consulta o Espírito Hahnemann se poderia ser auxiliado por um cidadão que registra em suas memórias pessoais como B…: “[…] para [justificando a sua pergunta] andarmos mais depressa […]” (it. O livro dos espíritos, p. 250). Contudo, a sua petição é desaconselhada. “B… era médium escrevente muito maleável, mas assistido por um Espírito orgulhoso, déspota e arrogante […]” (Nota, p. 251).
Relata o escritor Jean Prieur (1914–2016) que, uma vez concluída a obra (utilizando do heterônimo Allan Kardec para identificar a autoria, nome que tivera em antiga reencarnação nas Gálias, como lhe fora revelado), passou a procurar uma editora. Consulta, primeiramente, o amigo Sr. Didier: “Será que o senhor não é o mais indicado?”. Ouve então a recusa: “Este livro não se insere no âmbito das nossas coleções acadêmicas”. E pede desculpas. “Todos os editores potenciais respondem como ele, lamentando e louvando. Mas ninguém quis arriscar dinheiro em um autor desconhecido e num livro sem futuro”, destaca Jean Prieur em sua obra Allan Kardec et son époque (Allan Kardec e sua época). (3)
O professor Canuto Abreu (1892–1980), em O livro dos espíritos e sua tradição histórica e lendária, (4) de sua autoria, recorrendo a especial narrativa, relata a visita do professor Rivail, em fins do ano de 1856, ao livreiro Edouard-Justin Dentu (1830–1884), cuja sede comercial era na rua Montpensier, em frente à Galeria d’Orléans, no Palais Royal, em Paris, portando os manuscritos de O livro dos espíritos.
O livreiro recebe-o com má vontade. Ele estava concluindo o inventário de várias obras encalhadas, escritas sobre o Spiritualism e diz ao nascente Codificador do Espiritismo: “Esse assunto, meu caro senhor, não nos interessa mais.
É batidíssimo e está fora de voga. A França não se importa mais com o ‘Spiritualisme’. Nosso depósito está repleto de ‘Mesas que rodam’, ‘Mesas que dançam’, ‘Mesas que falam’, ‘Mesas que adivinham’, Mesas, enfim, que ninguém mais lê. Essa brincadeira já passou da moda” (p. 9).
O professor Rivail, porém, mantém-se sereno e declara: “Desejava apenas o seu orçamento tipográfico, pois vou editar a obra por minha conta e risco. É possível?” (p. 9).
Monsieur Dentu reluta, alega outros motivos para a recusa, quando, de repente, chega à loja madame Mélanie Dentu, mãe do livreiro e também proprietária.  Ela cumprimenta o prof. Rivail e pergunta-lhe: “Trouxe afinal seus cadernos professor? […] É uma honra para nós editar o seu livro […]” (p. 9). Percebendo que já havia entendimentos anteriores sobre a impressão da obra, o livreiro muda de atitude e acrescenta, constrangido: “[…] Se não tem muita pressa, deixe conosco os seus cadernos. Quantos exemplares pretende?[…]” (p. 9).
Poucos dias depois o livreiro encontraria, sobre a mesa de trabalho, um memorando assinado pela Sra. Dentu, remetendo os cadernos que comporiam a primeira obra da codificação espírita à “Tipografia De Beau” (p. 9), para impressão. No texto do memorando ela havia destacado, em vermelho: “[…] Urgente e preferencial” (p. 9).
Ainda resistindo quanto à validade da obra, o jovem livreiro ouve sua mãe dizer-lhe que a obra era impressionante e sugeriu-lhe: “[…] Examine-lhe uma ou outra página, ao acaso, e verá que não estou exagerando […]” (p. 9). Atendendo-lhe o pedido, Dentu lê os originais e, entusiasmado, envia a obra à tipografia, destacando o urgente e preferencial, passando a ser ele “o mais apressado a lançar O LIVRO” (p. 9).
Por que O livro dos espíritos é urgente e preferencial? Destaquemos alguns depoimentos:
O escritor francês Victorien Sardou (1831–1908), leu a obra e antes mesmo de haver chegado ao fim da leitura, escreveu a Kardec elogiosa carta, publicada em Allan Kardec, o educador e o codificador,(5) destacando que O livro dos espíritos “É o livro mais interessante e instrutivo que já li. […] É o livro da vida, é o guia da Humanidade” (p. 284).
Um abade francês, de nome Leçanu, autor de A história de satanás, assim diz no seu livro: “Observando-se as máximas de O livro dos espíritos, de Allan Kardec, faz-se o bastante para se tornar santo na Terra” (p. 285). “Quem quer que leia esse livro, nele meditando, como eu, encontrará tesouros inesgotáveis de consolações, pois que ele abarca todas as fases da existência” (p. 285), escrevia a Kardec, em 25 de abril de 1857, um capitão reformado, da cidade de Bordeaux. Humilde filho do povo, de Lyon, exprimia também ao Codificador o seu reconhecimento pela publicação de O livro dos espíritos e falava da felicidade que essa obra lhe trouxe ao coração.
O Espírito Vianna de Carvalho destaca que é “[…] nesse momento de expressivas e complexas realidades que aparece O LIVRO DOS ESPÍRITOS como resposta do Céu às perguntas aflitas da Terra […]” e que “[…]
Todas as armas se levantam contra o livro monumental”, mas enfatiza que “[…] Allan Kardec estava preparado para a reação. O Livro dos Espíritos veio e ficou. Seus ensinamentos estão aí, insuperáveis, atravessando os tempos. (6)
Durante mais de quarenta anos, desde que ingressara em Yverdon, o grande amor da existência do pedagogo  Hippolyte Léon Denizard Rivail tinha sido a educação, o ensino, mas ao concluir O livro dos espíritos, declara:
[…] foi a obra da minha vida. Dei-lhe todo o meu tempo, sacrifiquei-lhe o meu repouso [1][2], a minha saúde, porque o futuro estava escrito diante de mim em letras irrecusáveis. (7) (Grifo nosso.)
E naquele primaveril sábado em Paris, em 18 de abril de 1857, há 160 anos, a promessa de amor de Jesus, da vinda do Consolador, é consolidada por Allan Kardec com a publicação de O livro dos espíritos, em tiragem de 1.200 volumes na primeira edição [princeps], de capa cor cinza-esverdeada, com 501 perguntas. “Era em formato grande, in-8o, com 176 páginas de texto, e apresentava o assunto distribuído em duas colunas”. [3]
Em 11 de julho de 1857, em edição do jornal Courrier de Paris o jornalista G. Du Chalard, amigo do livreiro Dentu e de quem recebera, de presente, um exemplar dava o seu parecer sobre a obra estampando extenso artigo:
O livro dos espíritos, do Sr. Allan Kardec, é uma página nova do grande livro do infinito, e estamos convencidos de que esta página será assinalada […]. Não conhecemos o autor, mas confessamos, abertamente, que ficaríamos felizes em conhecê-lo. Quem escreveu a introdução de O livro dos espíritos deve ter a alma aberta a todos os sentimentos nobres.[…]
A todos os deserdados da Terra, a todos quantos avançam ou caem, regando com as lágrimas o pó da estrada, diremos: Lede O livro dos espíritos; ele vos tornará mais fortes. Também aos felizes, aos que em seu caminho só encontram as aclamações da multidão e os sorrisos da fortuna, diremos: Estudai-o e ele vos tornará melhores”.[4]
Em belo soneto, intitulado Falando a Kardec, publicado em Reformador de abril de 1977, (10) ditado ao médium Francisco Cândido Xavier, o Espírito Cruz e Souza, poeta catarinense, presta comovedora homenagem a Allan Kardec, destacando as consequências do advento de O livro dos espíritos:

Apóstolo da luz ditosa e bela,
Quando desceste da Divina Altura,
Surgia a Terra desolada e escura
Por agressiva e torva cidadela.

Qual nau sublime que se desmantela,
Naufragava na sombra a fé mais pura
E envolvia-se o templo da cultura
No turbilhão de indômita procela…

Mas trouxeste equilíbrio ao caos nefando,
E “O Livro dos Espíritos”, brilhando,
Rompe a noite mental, espessa e fria!

Ante o sol da verdade a que te elevas,
Revelaste Jesus ao mundo em trevas
E acendeste o clarão do novo dia.
Referências:
1 FRANCO, Divaldo. In: PUGLIESE, Adilton; CHRISPINO, Álvaro. Reconhecimento a Allan Kardec. 1. ed. LEAL, 2006. p. 40.
2 KARDEC, Allan. Obras póstumas. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2016. pt. 2 Extratos, in extenso, do livro das Previsões relativas ao espiritismo, p. 237 a 242, 244, 250, 251.
3 PRIEUR, Jean. Allan Kardec e sua época. 1. ed. São Paulo: Lachâtre, 2015. p. 69.
4 ABREU, Canuto. O livro dos espíritos e sua tradição histórica e lendária. 2. ed. São Paulo: LFU, 1996. cap. 1 – No dia 18 de abril de 1857, p. 9.
5 WANTUIL, Zêus; THIESEN, Francisco. Allan Kardec: o educador e o codificador. v. 1. 3. ed. Brasília: FEB, 2007. pt. 2, cap. 1.
6 FRANCO, Divaldo P. À luz do espiritismo. Pelo Espírito Vianna de Carvalho.5. ed. Salvador: LEAL, 2006. cap. O livro imortal, p. 16 e 17.
7 KARDEC, Allan. Obras póstumas. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2016. pt. 2, Constituição do Espiritismo, it. X – Allan Kardec e a nova constituição do Espiritismo, p. 329.
8 WANTUIL, Zêus; THIESEN, Francisco. Allan Kardec: o educador e o codificador. v. 1. 3. ed. Brasília: FEB, 2007. pt. 2, cap. 1, p. 274.
9 ____.____. p. 285. (Vide também Revista Espírita de jan. 1858, trad. Evandro Noleto Bezerra, p. 63 e 64.)
10 Reformador. ano 95, n. 1.777, abril 1977, p. 11(103). Soneto segundo Folheto do Grupo Espírita Emmanuel, intitulado “Da Biblioteca Espírita – Lembrando o Auto-de-fé de Barcelona, 1861”, edição de outubro de 1961, Garça (SP).

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