Frequentemente,
era nas proximidades de Cafarnaum † que o Mestre reunia a grande comunidade dos
seus seguidores. Numerosas pessoas o aguardavam ao longo do caminho, ansiosas
por lhe ouvirem a palavra instrutiva. Não tardou, porém, que ele compusesse o
seu reduzido colégio de discípulos.
Depois de uma das suas pregações do novo Reino, chamou os doze companheiros que, desde então, seriam os intérpretes de sua ação e de seus ensinos. Eram eles os homens mais humildes e simples do lago de Genesaré. Pedro, André e Filipe eram filhos de Betsaida, de onde vinham igualmente Tiago e João, descendentes de Zebedeu. Levi, Tadeu e Tiago, filhos de Alfeu e de sua esposa Cleofas, parenta de Maria, eram nazarenos e amavam a Jesus desde a infância, sendo muitas vezes chamados “os irmãos do Senhor”, à vista de suas profundas afinidades afetivas. Tomé descendia de um antigo pescador de Dalmanuta e Bartolomeu nascera de uma família laboriosa de Caná da Galileia. Simão, mais tarde denominado “o Zelota”, deixara a sua terra de Canaã para dedicar-se à pescaria e somente um deles, Judas, destoava um pouco desse concerto, pois nascera em Iscariote e se consagrara ao pequeno comércio em Cafarnaum, onde vendia peixes e quinquilharias.
O reduzido grupo
de companheiros do Messias experimentou a princípio certas dificuldades para
harmonizar-se. Pequeninas contendas geravam a separatividade entre eles. De vez
em quando, o Mestre os surpreendia em discussões inúteis sobre qual deles seria
o maior no Reino de Deus; de outras vezes, desejavam saber qual, dentre todos,
revelava sabedoria maior, no campo do Evangelho.
Levi continuava
nos seus trabalhos da coletoria local, enquanto Judas prosseguia nos seus
pequenos negócios, embora se reunissem diariamente aos demais companheiros. Os
dez outros viviam quase que constantemente com Jesus, junto às águas
transparentes do Tiberíades, como se participassem de uma festa incessante de
luz.
Iniciando-se,
entretanto, o período de trabalhos ativos pela difusão da nova doutrina, o
Mestre reuniu os doze em casa de Simão Pedro e lhes ministrou as primeiras
instruções referentes ao grande apostolado.
De conformidade
com a narrativa de Mateus, nas recomendações iniciais do Messias aclaravam as
normas de ação que os discípulos deviam seguir para as realizações que lhes
competiam concretizar.
— Amados, —
entrou Jesus a dizer-lhes, com mansidão extrema, — não tomareis o caminho largo
por onde anda toda gente, levada pelos interesses fáceis e inferiores;
buscareis a estrada escabrosa e estreita dos sacrifícios pelo bem de todos.
Também não penetrareis nos centros de discussões estéreis, à moda dos
samaritanos, nos das contendas que nada aproveitam às edificações do verdadeiro
Reino nos corações com sincero esforço.
Ide antes em
busca das ovelhas perdidas da casa de Nosso Pai, que se encontram em aflição e
voluntariamente desterradas de seu divino amor. Reuni convosco todos os que se
encontram de coração angustiado e dizei-lhes, de minha parte, que é chegado o
Reino de Deus.
Trabalhai em
curar os enfermos, limpar os leprosos, ressuscitar os que estão mortos nas
sombras do crime ou das desilusões ingratas do mundo, esclarecei todos os
Espíritos que se encontram em trevas, dando de graça o que de graça vos é
concedido.
Não exibais ouro
ou prata em vossas vestimentas, porque o Reino do Céu reserva os mais belos
tesouros para os simples.
Não ajunteis o
supérfluo em alforjes, túnicas ou alpercatas para o caminho, porque digno é o
operário do seu sustento.
Em qualquer
cidade ou aldeia onde entrardes buscai saber quem deseje aí os bens do Céu, com
sinceridade e devotamento a Deus, e reparti as bênçãos do Evangelho com os que
sejam dignos, até que vos retireis.
Quando
penetrardes nalguma casa, saudai-a com amor.
Se essa casa
merecer as bênçãos de vossa dedicação, desça sobre ela a vossa paz; se, porém,
não for digna, torne essa mesma paz aos vossos corações.
Se ninguém vos
receber, nem desejar ouvir as vossas instruções, retirai-vos sacudindo o pó de
vossos pés, isto é, sem conservardes nenhum rancor e sem vos contaminardes da
alheia iniquidade.
Em verdade vos
digo que dia virá em que menos rigor haverá para os grandes pecadores, do que
para quantos procuram a Deus com os lábios da falsa crença, sem a sinceridade
do coração.
É por essa razão
que vos envio como ovelhas ao antro dos lobos, recomendando-vos a simplicidade
das pombas e a prudência das serpentes.
Acautelai-vos,
pois, dos homens, nossos irmãos, porque sereis entregues aos seus tribunais e
sereis açoitados nos seus templos suntuosos, de onde está exilada a ideia de
Deus.
Sereis
conduzidos, como réus, à presença de governadores e reis, de tiranos e
descrentes, a fim de testemunhardes a minha causa.
Mas, nos dias
dolorosos da humilhação, não vos dê cuidado como haveis de falar, porque minha
palavra estará convosco e sereis inspirados, quanto ao que houverdes de dizer.
Porque não somos
nós que falamos; o espírito amoroso de Nosso Pai é que fala em todos nós.
Nesses dias de
sombra, em que se lutará no mundo por meu nome, o irmão entregará à morte o
próprio irmão, o pai os filhos, espalhando-se nos caminhos o rastro sinistro
dos lobos da iniquidade.
Os que me
seguirem serão desprezados e odiados por minha causa, mas aquele que perseverar
até o fim será salvo.
Quando, pois,
fordes perseguidos numa cidade, transportai-vos para outra, porque em verdade
vos afirmo que jamais estareis nos caminhos humanos sem que vos acompanhe o meu
pensamento.
Se tendes de
sofrer, considerai que também eu vim à Terra para dar o testemunho e não é o
discípulo mais do que o mestre, nem o servo mais que o seu senhor.
Se o adversário
da luz vai reunir contra mim as tentações e as zombarias, o ridículo e a
crueldade, que não fará aos meus discípulos?
Todavia, sabeis
que acima de tudo está o Nosso Pai e que, portanto, é preciso não temer, pois
que, um dia toda a verdade será revelada e todo o bem triunfará.
O que vos ensino
em particular, difundi publicamente; porque o que agora escutais aos ouvidos
será o objeto de vossas pregações de cima dos telhados.
Trabalhai pelo
Reino de Deus e não temais os que matam o corpo, mas não podem aniquilar a
alma; temei antes os sentimentos malignos que mergulham o corpo e a alma no
inferno da consciência.
Não se vendem
dois passarinhos por um ceitil? Entretanto, nenhum deles cai dos seus ninhos
sem a vontade do nosso Pai. Até mesmo os cabelos de nossas cabeças estão
contados.
Não temais,
pois, porque um homem vale mais que muitos passarinhos.
Empregai-vos no
amor do Evangelho e qualquer de vós que me confessar diante dos homens, eu o
confessarei igualmente diante de meu Pai que está nos Céus.
As recomendações
de Jesus foram ouvidas ainda por algum tempo e, terminada a sua alocução, no
semblante de todos perpassava a nota íntima da alegria e da esperança. Os
apóstolos criam contemplar o glorioso porvir do Evangelho do Reino e
estremeciam do júbilo de seus corações.
Foi quando Judas
Iscariote, como que despertando, antes de todos os companheiros, daquelas
profundas emoções de encantamento, se adiantou para o Messias, declarando em
termos respeitosos e resolutos:
— Senhor, os
vossos planos são justos e preciosos; entretanto, é razoável considerarmos que
nada poderemos edificar sem a contribuição de algum dinheiro.
Jesus contemplou-o
serenamente e redarguiu:
— Será que Deus
precisou das riquezas precárias para construir as belezas do mundo? Em mãos que
saibam dominá-lo, o dinheiro é um instrumento útil, mas nunca será tudo,
porque, acima dos tesouros perecíveis, está o amor com os seus infinitos
recursos.
Em meio da
surpresa geral, Jesus, depois de uma pausa, continuou:
— No entanto,
Judas, embora eu não tenha qualquer moeda do mundo, não posso desprezar o
primeiro alvitre dos que contribuirão comigo para a edificação do Reino de meu
Pai, no espírito das criaturas. Põe em prática a tua lembrança, mas tem cuidado
com a tentação das posses materiais. Organiza a tua bolsa de cooperação e
guarda-a contigo; nunca, porém, procures o que ultrapasse o necessário.
Ali mesmo,
pretextando a necessidade de incentivar os movimentos iniciais da grande causa,
o filho de Iscariote fez a primeira coleta entre os discípulos. Todas as
possibilidades eram mínimas, mas alguns pobres denários foram recolhidos com
interesse. O Mestre observava a execução daquela primeira providência, com um
sorriso cheio de apreensões, enquanto Judas guardava cuidadosamente o fruto
modesto de sua lembrança material. Em seguida, apresentando a Jesus a bolsa
minúscula, que se perdia nas dobras de sua túnica, exclamou, satisfeito:
— Senhor, a
bolsa é pequenina, mas constitui o primeiro passo para que se possa realizar
alguma coisa…
Jesus fitou-o
serenamente e retrucou em tom profético:
— Sim, Judas, a
bolsa é pequenina; contudo, permita Deus que nunca sucumbas ao seu peso!
Humberto de
Campos (Irmão X) / Chico Xavier.
Livro: Boa Nova.
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