Na manhã que se
seguiu à primeira manifestação da sua palavra defronte do Tiberíades, o Mestre
se aproximou de dois jovens que pescavam nas margens e os convocou para o seu
apostolado.
— Filhos de
Zebedeu, — disse, bondoso, — desejais participar das alegrias da Boa Nova?!
Tiago e João,
que já conheciam as pregações do Batista e que o tinham ouvido na véspera,
tomados de emoção se lançaram para ele, transbordantes de alegria:
— Mestre! Mestre!
— Exclamavam felizes.
Como se fossem
irmãos bem-amados que se encontrassem depois de longa ausência, tocados pela
força do amor que se irradiava do Cristo, fonte inspiradora das mais profundas
dedicações, falaram largamente da ventura de sua união perene, no futuro, das
esperanças com que deveriam avançar para o porvir, proclamando as belezas do
esforço pelo Evangelho do Reino. Os dois rapazes galileus eram de temperamento
apaixonado. Profundamente generosos, tinham carinhosas e simples, ardentes e sinceras
as almas. João tomou das mãos do Senhor e beijou-as afetuosamente, enquanto
Jesus lhe acariciava os anéis macios dos cabelos. Tiago, como se quisesse
hipotecar a sua solidariedade inteira, aproximou-se do Messias e lhe colocou a
destra sobre os ombros, em amoroso transporte.
Os dois novos
apóstolos, entretanto, eram ainda muito jovens e, em regressando a casa com o
espírito arrebatado por imensa alegria, relataram a sua mãe o que se passara.
Salomé, a esposa
de Zebedeu, apesar de bondosa e sensível, recebeu a notícia com certo cuidado.
Também ela ouvira o profeta de Nazaré nas suas gloriosas afirmativas da
véspera. Pôs-se então a ponderar consigo mesma: Não estaria próximo aquele
reino prometido por Jesus? Quem sabe se o filho de Maria não falava na cidade
em nome de algum príncipe? Ah! o Cristo deveria ser o intérprete de algum
desconhecido ilustre que recrutava adeptos entre os homens trabalhadores e mais
fortes. A quem seriam confiados os postos mais altos, dentro da nova fundação?
Seus filhos queridos bem os mereciam. Precisava agir, enquanto era tempo. O
povo, de há muito, falava em revolução contra os romanos e os comentadores mais
indiscretos anteviam a queda próxima dos Ântipas. O novo reinado estava próximo
e, alucinada pelos sonhos maternais, Salomé procurou o Messias no círculo dos
seus primeiros discípulos.
— Senhor, —
disse, atenciosa, — logo após a instituição do teu reino, eu desejaria que os
meus filhos se sentassem um à tua direita e outro à tua esquerda, como as duas
figuras mais nobres do teu trono.
Jesus sorriu e
obtemperou com gesto bondoso:
— Antes de tudo,
é preciso saber se eles quererão beber do meu cálice!…
A progenitora
dos dois jovens embaraçou-se. Além disso, o grupo que rodeava o Messias a
observava com indiscrição e manifesta curiosidade. Reconhecendo que o instante
não lhe permitia mais amplas explicações, retirou-se apressada, colocando o seu
velho esposo ao corrente dos fatos.
Ao entardecer,
cessado o labor do dia, Zebedeu acompanhado pelos dois filhos procurou o Mestre
em casa de Simão Pedro. Jesus lhes recebeu a visita com extremo carinho,
enquanto o velho galileu expunha as suas razões, humilde e respeitoso.
— Zebedeu, —
respondeu-lhe Jesus, — tu, que conheces a lei e lhe guardas os preceitos no
coração, sabes de algum profeta de Deus que, no seu tempo, fosse amado pelos
homens do mundo?
— Não, Senhor.
— Que fizeram de
Moisés, de Jeremias, de Jonas? Todos os emissários da verdade divina foram
maltratados e trucidados, ou banidos do berço em que nasceram. Na Terra, o
preço do amor e da verdade tem sido o martírio e a morte.
O pai de Tiago e
João o ouvia humilde e repetia: — Sim, Senhor.
E Jesus, como se
aproveitasse o momento para esclarecer todos os pontos em dúvida, continuou:
— O Reino de
Deus tem de ser fundado no coração das criaturas; o trabalho árduo é o meu
gozo; o sofrimento o meu cálice; mas, o meu Espírito se ilumina da sagrada
certeza da vitória.
— Então, Senhor,
— exclamou Zebedeu, respeitoso, — o vosso reino é o da paz e da resignação que
os crentes de Elias esperavam!
Jesus com um
sorriso de benignidade acrescentou:
— A paz da
consciência pura e a resignação suprema à vontade de meu Pai são do meu Reino;
mas os homens costumam falar de uma paz que é ociosidade de espírito e de uma
resignação que é vício do sentimento. Trago comigo as armas para que o homem
combata os inimigos que lhe subjugam o coração e não descansarei enquanto não
tocarmos o porto da vitória. Eis por que o meu cálice, agora, tem de
transbordar de fel, que são os esforços ingentes que a obra reclama.
E, como se
quisesse pormenorizar os esclarecimentos, prosseguiu:
— Há homens
poderosos no mundo que morrem comodamente em seus palácios, sem nenhuma paz no
coração, transpondo em desespero e com a noite na consciência os umbrais da
eternidade; há lutadores que morrem na batalha de todos os momentos, muita vez
vencidos e humilhados, guardando, porém, completa serenidade de espírito,
porque, em todo o bom combate, repousaram o pensamento no seio amoroso de Deus.
Outros há que aplaudem o mal, numa falsa atitude de tolerância, para lhe sofrer
amanhã os efeitos destruidores. Os verdadeiros discípulos das verdades do Céu,
esses não aprovam o erro, nem exterminam os que os sustentam. Trabalham pelo
bem, porque sabem que Deus também está trabalhando. O Pai não tolera o mal e o
combate, por muito amar a seus filhos. Vê, pois, Zebedeu, que o nosso Reino é
de trabalho perseverante pelo bem real da Humanidade inteira.
Enquanto os dois
apóstolos fitavam em Jesus os olhos calmos e venturosos, Zebedeu o contemplava
como se tivesse à sua frente o maior profeta do seu povo.
— Grande reino!
— Exclamou o velho pescador e, dando expansão ao entusiasmo que lhe enchia o
coração, disse, ditoso: — Senhor! Senhor! Trabalharemos convosco, pregaremos o
vosso Evangelho, aumentaremos o número dos vossos seguidores!…
Ouvindo estas
últimas palavras, o Mestre elucidou, pondo ênfase nas suas expressões:
— Ouve, Zebedeu!
Nossa causa não é a do número; é a da verdade e do bem. É certo que ela será um
dia a causa do mundo inteiro, mas, até lá, precisamos esmagar a serpente do mal
sob os nossos pés. Por enquanto, o número pertence aos movimentos da iniquidade.
A mentira e a tirania exigem exércitos e monarcas, espadas e riquezas imensas
para dominarem as criaturas. O amor, porém, essência de toda a glória e de toda
a vida, pede um coração e sabe ser feliz. A impostura reclama interminável
fileira de defensores, para espalhar a destruição; basta, no entanto, um homem
bom para ensinar a verdade de Deus e exaltar-lhe as glórias eternas,
confortando a infinita legião de seus filhos. Quem será maior perante Deus? A
multidão que se congrega para entronizar a tirania, esmagando os pequeninos, ou
um homem sozinho e bem-intencionado que com um simples sinal salva uma barca
cheia de pescadores?
Empolgado pela
sabedoria daquelas considerações, Zebedeu perguntou:
— Senhor, então
o Evangelho não será bom para todos?
— Em verdade, —
replicou o Mestre, — a mensagem da Boa Nova é excelente para todos; contudo,
nem todos os homens são ainda bons e justos para com ela. É por isso que o
Evangelho traz consigo o fermento da renovação e é ainda por isso que deixarei
o júbilo e a energia como as melhores armas aos meus discípulos. Exterminando o
mal e cultivando o bem, a Terra será para nós um glorioso campo de batalha. Se
um companheiro cair na luta, foi o mal que tombou, nunca o irmão que, para nós
outros, estará sempre de pé. Não repousaremos até ao dia da vitória final. Não
nos deteremos numa falsa contemplação de Deus, à margem do caminho, porque o
Pai nos falará através de todas as criaturas trazidas à boa estrada; estaremos
juntos na tempestade, porque aí a sua voz se manifesta com mais retumbância.
Alegrar-nos-emos nos instantes transitórios da dor e da derrota, porque aí o
seu coração amoroso nos dirá: “Vem, filho meu, estou nos teus sofrimentos com a
luz dos meus ensinos!” Combateremos os deuses dos triunfos fáceis, porque sabemos
que a obra do mundo pertence a Deus, compreendendo que a sua sabedoria nos
convoca para completá-la, edificando o seu Reino de venturas sem-fim no íntimo
dos corações.
Jesus guardou
silêncio por instantes. João e Tiago se lhe aproximaram, magnetizados pelo seu
olhar enérgico e carinhoso. Zebedeu, como se não pudesse resistir à própria
emotividade, fechara os olhos, com o peito oprimido de júbilo. Diante de si,
num vasto futuro espiritual, via o Reino de Jesus desdobrar-se ao infinito.
Parecia ouvir a voz de Abraão e o eco grandioso de sua posteridade numerosa.
Todos abençoavam o Mestre num hino glorificador. Até ali, seu velho coração
conhecera a lei rígida e temera Jeová com a sua voz de trovão sobre as sarças
de fogo; Jesus lhe revelara o Pai carinhoso e amigo de seus filhos, que acolhe
os velhos, os humildes e os derrotados da sorte, com uma expressão de bondade
sempre nova. O velho pescador de Cafarnaum soltou as lágrimas que lhe
rebentavam do peito e ajoelhou-se. Adiantando-se-lhe, Jesus exclamou:
— Levanta-te,
Zebedeu! Os filhos de Deus vivem de pé para o bom combate!
Avançando,
então, dentro da pequena sala, o pai dos apóstolos tomou a destra do Mestre e a
umedeceu com as suas lágrimas de felicidade e de reconhecimento, murmurando:
— Senhor, meus
filhos são vossos.
Jesus,
atraindo-o docemente ao coração, lhe afagou os cabelos brancos, dizendo:
— Chora,
Zebedeu! Porque as tuas lágrimas de hoje são formosas e benditas!… Temias a
Deus; agora o amas; estavas perdido nos raciocínios humanos sobre a lei; agora,
tens no coração a fonte da fé viva!
Humberto de
Campos (Irmão X) / Chico Xavier.
Libro: Boa Nova.
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