sábado, 20 de setembro de 2014

PROSTITUIÇÃO - Castro Alves


 - I -
O jovem de riso triste,
Entregue à prostituição,
Teu drama tem mil raízes,
Que antecedem a Platão...
Já na História Religiosa,
Tu surges, voluptuosa,
Frente aos deuses de granito...
Desde o culto de Astarté,
Tu bailavas nua, até,
Na Fenícia e lá no Egito!

– II –
Na Índia – o culto de Falo,
De Siva – o deus de dois sexos,
Nos grandes ritos eróticos
Deixavas deuses perplexos...
Na imensa Mesopotâmia
Rolavas na mesma infâmia,
– Em templos de Babilônia!
Estas no culto a Milita...
E nos ritos de Afrodita,
Deusa lúbrica da insônia!

– III –
Também nos templos de Baco,
E outros deuses imorais,
– Mercúrio, Vênus ou Lesbos,
Dançavas nas saturnais!
Eras então a deidade
Da eterna fecundidade...
A prostituta sagrada!
Alugavas os teus dotes
Por ordem dos sacerdotes,
– Nos templos, não na calçada!

– IV –
Depois, os cínicos bonzos,
De um modo um tanto poltrão,
Mandaram fosses às ruas
Fazer a prostituição...
E casas de tolerância
São erguidas com abundância
No vasto Império de Roma!
Mulher, prazeres, bebida!
Eis a bandeira da Vida!
– A ruína de Sodoma...

– V –
E moças de pele branca
São vendidas no mercado;
Todas menores de idade,
Como rebanhos de gado!
Muitas são filhas de escravos,
As outras, de pais ignavos;
Enchem-se mil lupanares!
Surge Calígula, então,
E explora a prostituição
Com taxas bem singulares!

– VI –
Ó jovem de riso triste,
Teu romance é bem complexo;
Vem de longe a grande rede,
Que explora os vícios do sexo!
Passa o tempo, ano após ano,
E cai o Império Romano!
Estamos na Idade Média...
Sangrando em terríveis noites,
Terás torturas e açoites
Em satânica tragédia!...

– VII –
E em caso de reincidência,
Terás a mutilação,
Do nariz e das orelhas!
– Eis a Lei de Repressão!
Fizeram de ti um rato
Fugindo às garras do gato
No esterqueiro medieval...
Prisão – em meio ao excremento!
Açoite – ao invés de argumento!
Abuso – ao invés de Moral!

– VIII –
Mas o comércio não pára?
Problema sem solução?
A fome enfrenta o pudor?
Aumenta a prostituição?
E o Governo, teu parceiro,
Enche os cofres de dinheiro,
Com o Ministro da Fazenda...
Não combate teu comércio,
Mas pagarás o sestércio!
– Quer teu imposto de renda!

– IX –
Alicerces estão podres
Da Sociedade atual...
Tornou-se ridículo o Homem
Quando fala contra o Mal...
Olhai a culta Paris!
Exploram a meretriz
Mais de trezentos hotéis!
E há casas clandestinas
Que recebem só meninas!
Multiplicam-se os bordéis...

– X –
Ó jovem de riso triste,
Já enferma e sem ilusão,
Lamento ver-te a vagar
No lodo da perdição...
Nasceste em um ambiente
Pobre, cruel, negligente,
Onde faltava ternura...
E veio o primeiro engano!
Então, traçaste o teu plano!
Dinheiro! Amor! Aventura!

– XI –
Mas era inda criança!
E vivias na penúria...
Quem te trouxe às ruas, praças,
Não foi jamais a luxúria!
Não tinhas educação!
Não te deram profissão!
E o mundo a te cobiçar...
E o hoje o mundo critica,
O Brasil, a Martinica,
Quando vais pro lupanar!

– XII –
Mas muitos que te criticam,
Procuram teu leito imundo,
E dizem-te belas frases,
Como qualquer vagabundo...
Talvez o próprio Juiz
Procure uma meretriz
Nas horas mortas da noite...
E depois proclama as penas
Para as murchas açucenas:
Dá-lhes três dúzias de açoite!

– XIII –
Pobre jovem de olhar triste,
Presa no mundo dos vícios,
Quantas de tuas amigas
Hoje dormem nos hospícios!
Exploraram-nas vadios,
Homens com falta de brios,
Traficantes, jogadores!
Vida tranqüila? – Quimeras!
Que nesse meio de feras,
Há olhos aterradores!...

– XIV –
Ó moças agrilhoadas
No duro viver malquisto,
Lembrai-vos de Madalena
Libertada pelo Cristo!
Há Espíritos burlescos
Envolvendo-vos, grotescos,
E o jogo não percebeis!
Que desça do Céu a Luz!
Socorrei-vos de Jesus!
– E honrai a Tábua das Leis!

Castro Alves / Jorge Rizzini
Livro: Antologia do Mais Além.

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