"Cada encarnação encontra, na alma que recomeça
vida nova, uma cultura particular, aptidões e aquisições mentais que explicam
sua facilidade para o trabalho e seu poder de assimilação; por isso dizia
Platão: “Aprender é recordar-se!”
Nossa ternura espontânea por certos seres deste mundo
explica-se facilmente. Já os havíamos conhecido, em outros tempos, já os
encontráramos. Quantos esposos, quantos amantes não têm sido unidos por
inúmeras existências, percorridas dois a dois! Seu amor é indestrutível, porque
o amor é a força das forças, o vínculo supremo que nada pode destruir.
As condições da reencarnação não permitem que nossas
situações recíprocas se invertam; quase sempre se conservam os graus
respectivos de parentesco. Algumas vezes, em caso de impossibilidade, um filho
poderá vir a ser o irmão mais novo do seu pai de outros tempos, a mãe poderá
renascer irmã mais velha do filho. Em casos excepcionais, e somente a pedido
dos interessados, podem inverter-se as situações. Os sentimentos de delicadeza,
de dignidade, de mútuo respeito que sentimos na Terra não podem ser desconhecidos
no mundo espiritual. Para supô-lo, é preciso ignorar a natureza das leis que
regem a evolução das almas!
O Espírito adiantado, cuja liberdade aumenta na razão
direta da sua elevação, escolhe o meio onde quer renascer, ao passo que o
Espírito inferior é impelido por uma força misteriosa a que obedece
instintivamente; mas todos são protegidos, aconselhados, amparados na passagem
da vida do espaço para a existência terrestre, mais penosa, mais temível que a
morte.
A união da alma com o corpo efetua-se por meio do
invólucro fluídico, o perispírito, de que muitas vezes temos falado. Sutil por
sua natureza, vai ele servir de laço entre o Espírito e a matéria. A alma está
presa ao gérmen por esse “mediador plástico”, que vai retrair-se, condensar-se
cada vez mais, através das fases progressivas da gestação, e formar o corpo
físico. Desde a concepção até o nascimento, a fusão opera-se lentamente, fibra
por fibra, molécula por molécula. Pelo afluxo crescente dos elementos materiais
e da força vital fornecidos pelos genitores, os movimentos vibratórios do
perispírito da criança vão diminuir e restringirem-se, ao mesmo tempo em que as
faculdades da alma, a memória, a consciência esvaem-se e aniquilam-se. É a essa
redução das vibrações fluídicas do perispírito, à sua oclusão na carne que se
deve atribuir a perda da memória das vidas passadas. Um véu cada vez mais
espesso envolve a alma e apaga-lhe as radiações interiores. Todas as impressões
da sua vida celeste e do seu longo passado volvem às profundezas do inconsciente
e a emersão só se realiza nas horas de exteriorização ou por ocasião da morte,
quando o Espírito, recuperando a plenitude dos seus movimentos vibratórios,
evoca o mundo adormecido das suas recordações.
O papel do duplo fluídico é considerável; explica,
desde o nascimento até a morte, todos os fenômenos vitais. Possuindo em si os
vestígios indeléveis de todos os estados do ser, desde a sua origem,
comunica-lhe a impressão, as linhas essenciais ao gérmen material. Eis aí a
chave dos fenômenos embriogênicos.
O perispírito, durante o período de gestação,
impregna-se de fluido vital e materializa-se o bastante para tornar-se o
regulador da energia e o suporte dos elementos fornecidos pelos genitores;
constitui, assim, uma espécie de esboço, de rede fluídica permanente, através
da qual passará a corrente de matéria que destrói e reconstitui sem cessar,
durante a vida, o organismo terrestre; será a armação invisível que sustenta
interiormente a estátua humana. Graças a ele, a individualidade e a memória
conservar-se-ão no plano físico, apesar das vicissitudes da parte mutável e
móvel do ser, e assegurarão, do mesmo modo, a lembrança dos fatos da existência
presente, recordações cujo encadeamento, do berço à cova, fornece-nos a certeza
íntima da nossa identidade.
A incorporação da alma não é, pois, subitânea, como o
afirmam certas doutrinas; é gradual e só se completa e se torna definitiva à
saída da vida uterina. Nesse momento, a matéria encerra completamente o
Espírito, que deverá vivificá-la pela ação das faculdades adquiridas. Longo
será o período de desenvolvimento durante o qual a alma se ocupará em pôr à sua
feição o novo invólucro, em acomodá-lo às suas necessidades, em fazer dele um
instrumento capaz de manifestar-lhe as potências íntimas; mas, nessa obra, será
coadjuvada por um Espírito preposto à sua guarda, que cuida dela, a inspira e
guia em todo o percurso da sua peregrinação terrestre. Todas as noites, durante
o sono, muitas vezes até de dia, o Espírito, no período infantil, desprende-se
da forma carnal, volve ao espaço, a haurir forças e alentos para, em seguida,
tornar a descer ao invólucro e prosseguir o penoso curso da existência.
Antes de novamente entrar em contacto com a matéria e
começar nova carreira, o Espírito tem, dissemos, de escolher o meio onde vai
renascer para a vida terrestre; mas essa escolha é limitada, circunscrita,
determinada por causas múltiplas. Os antecedentes do ser, suas dívidas morais,
suas afeições, seus méritos e deméritos, o papel que está apto para
desempenhar, todos esses elementos intervêm na orientação da vida em preparo;
daí a preferência por uma raça, tal nação, tal família. As almas terrestres que
havemos amado atraem-nos; os laços do passado reatam-se em filiações, alianças,
amizades novas. Os próprios lugares exercem sobre nós a sua misteriosa sedução
e é raro que o destino não nos reconduza muitas vezes às regiões onde já
vivemos, amamos, sofremos. Os ódios são forças também que nos aproximam dos
nossos inimigos de outrora para apagarmos, com melhores relações, inimizades
antigas. Assim, tornamos a encontrar em nosso caminho a maior parte daqueles
que constituíram nossa alegria ou fizeram nossos tormentos. Sucede o mesmo com
a adoção de uma classe social, com as condições de ambiente e educação, com os
privilégios da fortuna ou da saúde, com as misérias da pobreza. Todas essas
causas tão variadas, tão complexas, vão combinar-se para assegurar ao novo
encarnado as satisfações, as vantagens ou as provações que convêm ao seu grau
de evolução, aos seus méritos ou às suas faltas e às dívidas contraídas por
ele.
Dito isso, compreender-se-á quão difícil é a escolha.
Por isso, na maioria das vezes ela nos é inspirada pelas Inteligências
diretoras, ou, então, em proveito nosso, hão de elas próprias fazê-lo, se não
possuirmos o discernimento necessário para adotar com toda a sabedoria e
previdência os meios mais eficazes para ativarem a nossa evolução e expurgarem
o nosso passado.
Todavia, o interessado tem sempre a liberdade de
aceitar ou procrastinar a hora das reparações inelutáveis. No momento de se
ligar a um gérmen humano, quando a alma possui ainda toda a sua lucidez, o seu
Guia desenrola diante dela o panorama da existência que a espera; mostra-lhe os
obstáculos e os males de que será eriçada, faz-lhe compreender a utilidade
desses obstáculos e desses males para desenvolver-lhe as virtudes ou libertá-la
dos seus vícios. Se a prova lhe parecer demasiado rude, se não se sentir
suficientemente armado para afrontá-la, é lícito ao Espírito diferir-lhe a data
e procurar uma vida transitória que lhe aumente as forças morais e a vontade.
Na hora das resoluções supremas, antes de tornar a
descer à carne, o Espírito percebe, atinge o sentido geral da vida que vai
começar, ela lhe aparece nas suas linhas principais, nos seus fatos culminantes,
modificáveis sempre, entretanto, por sua ação pessoal e pelo uso do seu
livre-arbítrio; porque a alma é senhora dos seus atos; mas, desde que ela se
decidiu, desde que o laço se dá e a incorporação se debuxa, tudo se apaga,
esvai-se tudo. A existência vai desenrolar-se com todas as suas conseqüências
previstas, aceitas, desejadas, sem que nenhuma intuição do futuro subsista na
consciência normal do ser encarnado.
O Temíveis são certas atrações para as almas que
procuram as condições de um renascimento, por exemplo, as famílias de
alcoólicos, de devassos, de dementes. Como conciliar a noção de justiça com a
encarnação dos seres em tais meios? Não há aí, em jogo, razões psíquicas
profundas e latentes e não são as causa físicas apenas uma aparência? Vimos que
a lei de afinidade aproxima os seres similares. Um passado de culpas arrasta a
alma atrasada para grupos que apresentam analogias com o seu próprio estado
fluídico e mental, estado que ela criou com os seus pensamentos e ações.
Não há, nesses problemas, nenhum lugar para a
arbitrariedade ou para o acaso. É o mau uso prolongado de seu livre-arbítrio, a
procura constante de resultados egoístas ou maléficos que atrai a alma para
genitores semelhantes a si. Eles fornecer-lhe-ão materiais em harmonia com o
seu organismo fluídico, impregnados das mesmas tendências grosseiras, próprios
para a manifestação dos mesmos apetites, dos mesmos desejos. Abrir-se-á nova
existência, novo degrau de queda para o vício e para a criminalidade. E a
descida para o abismo.
Senhora do seu destino, a alma tem de sujeitar-se ao
estado de coisas que preparou, que escolheu. Todavia, depois de haver feito de
sua consciência um antro tenebroso, um covil do mal, terá de transformá-lo em
templo de luz. As faltas acumuladas farão nascer sofrimentos mais vivos;
suceder-se-ão mais penosas, mais dolorosas as encarnações; o círculo de ferro
apertar-se-á até que a alma, triturada pela engrenagem das causas e dos efeitos
que houver criado, compreenderá a necessidade de reagir contra suas tendências,
de vencer suas ruins paixões e de mudar de caminho. Desde esse momento, por
pouco que o arrependimento a sensibilize, sentirá nascer em si forças,
impulsões novas que a levarão para meios mais adequados à sua obra de
reparação, de renovação, e passo a passo irá fazendo progressos. Raios e
eflúvios penetrarão na alma arrependida e enternecida, aspirações
desconhecidas, necessidades de ação útil e de dedicação hão de despertar nela.
A lei de atração, que a impelia para as últimas camadas sociais, reverterá em
seu benefício e tornar-se-á o instrumento da sua regeneração.
Entretanto, não será sem custo que ela se levantará; a
ascensão não prosseguirá sem dificuldades. As faltas e os erros cometidos
repercutem como causas de obstrução nas vias futuras e o esforço terá de ser
tanto mais enérgico e prolongado quanto mais pesadas forem as
responsabilidades, quanto mais extenso tiver sido o período de resistência e
obstinação no mal. Na escabrosa e íngreme subida, o passado dominará por muito tempo
o presente e o seu peso fará vergar mais de uma vez os ombros do caminhante;
mas, do Alto, mãos piedosas estender-se-ão para ele e ajudá-lo-ão a transpor as
passagens mais escarpadas. “Há mais alegria no Céu por um pecador que se
arrepende do que por cem justos que perseveram.”
O nosso futuro está em nossas mãos e as nossas
facilidades para o bem aumentam na razão direta dos nossos esforços para o
praticarmos".
Livro: O Problema do Ser, do Destino e da Dor.
Autor: Léon Denis.
http://www.oespiritismo.com.br
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