Pode parecer à
primeira vista que justiça e misericórdia sejam virtudes antagônicas, que se
excluam reciprocamente.
Daí a razão de
muitos não compreenderem como possa Deus exercitá-las, sem que uma precise ser
anulada para que a outra prevaleça.
Tudo,
entretanto, se torna claro quando nos lembramos de que as boas qualidades
morais são filhas do Amor e que este sentimento sublime sempre encontra meios
de harmonizá-las.
Senão, vejamos.
A Justiça exige
que toda infração à Lei seja punida e desde a origem dos tempos isso tem
acontecido, infalivelmente.
Aliás, todos os
grandes missionários religiosos que têm vindo à Terra, inspirados que foram
pelo Alto, estabeleceram em seus códigos a pena de talião, ou seja, castigo
igual à culpa.
O “olho por olho
e dente por dente”, de Moisés, por exemplo, e o “quem com espada fere, com
espada será ferido”, do Cristo, são preceitos que consagram esse princípio
fundamental da Justiça.
Moisés, todavia,
dava ao ofendido o direito de tirar desforra, pessoalmente e na proporção da
ofensa recebida, enquanto o Cristo, surgindo entre nós quando era chegado o
momento de os terrícolas darem início a uma fase mais avançada de sua evolução
espiritual, trouxe como missão ensiná-los a quebrar as cadeias do mal a que se
jungiam pela lei de ação e reação.
Introduziu nas
relações humanas, então, uma nova ética: “amai vossos inimigos, fazei bem aos
que vos têm ódio e orai pelos que vos perseguem e caluniam”, exemplificando-a,
ele mesmo, até às últimas consequências.
Não deixou,
porém, de adverti-los, mui explicitamente: “Se perdoardes aos outros as faltas
que cometerem contra vós, também vosso Pai celestial vos perdoará os pecados,
mas, se não lhes perdoardes quando vos tenham ofendido, tão-pouco vosso Pai
celestial vos perdoará os pecados”.
Analisando, a
fundo, estas novas regras de conduta, percebe-se conterem elas a mesma justiça
da pena de talião, com a diferença de que, ao invés de “castigo igual à culpa”,
acenam com “premio igual ao merecimento”.
Reparemos bem:
Aquele que
revida ao seu ofensor com igual ofensa, está exercendo a justiça, cobrando o
que lhe devem, mas, por sua vez, terá de pagar na. mesma moeda toda injúria que
fizer a outrem.
Já aquele que
perdoa as ofensas recebidas, fica com um crédito do mesmo valor na
contabilidade celeste, crédito esse que será levado em conta quando lhe
aconteça cometer alguma falta. E quem não está sujeito a errar?
Por haver
entendido perfeitamente esse mecanismo da Justiça Divina é que o colégio
apostólico proclamava, amiúde: “suportai-vos uns aos outros”, “tende entre vós
mútua caridade”, “o amor cobre uma multidão de pecados”, etc.
Talvez nos
perguntem: no segundo caso, sendo o ofensor perdoado pelo ofendido, ficará sem
a punição devida?
Absolutamente! A
Providência cuidará disso e, seja na mesma existência ou em outra(s)
posterior(es), ele “sofrerá o que tenha feito sofrer”, não porque apraza a Deus
castigar os culpados, mas para que todos se corrijam, progridam e sejam
felizes.
E é assim,
deixando-nos experimentar os funestos resultados de nossas más ações, bem como
nos ensejando a oportunidade de emendar-nos através das vidas sucessivas, que
Deus se revela, a um só tempo, soberanamente justo e misericordioso, como
convém Àquele que é o Santo do santos.
Quando
transportarmos para a vida prática os luminosos ensinamentos do Cristo,
preferindo perdoar a usar de represálias, retribuindo ao mal com o bem, a paz e
a. alegria farão morada permanente em nossos corações, valendo isso dizer que
já estaremos adentrando “o reino dos céus”.
Livro: As Leis Morais
Rodolfo Calligaris.
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