“... Esse sentimento resulta mesmo de uma lei física: a da assimilação e
da repulsão dos fluidos...” “... daí a diferença de sensações que se
experimenta à aproximação de um amigo ou de um inimigo...” “... Amar os inimigos... é não ter contra eles nem ódio, nem rancor, nem
desejo de vingança...” (Evangelho Segundo o Espiritismo – Allan
Kardec, Capítulo 12, item 3.)
“Amar os inimigos não é, pois, ter para com eles uma afeição que não
está na Natureza, porque o contato de um inimigo faz bater o coração de maneira
bem diferente do de um amigo” (1).
Na investigação profunda da raiva, do rancor ou da ira, devemos
considerar os poderosos e irracionais impulsos de agressividade, espontâneos e
inatos na psique humana. São emoções ou formações psíquicas que o espírito
partilha com o mundo animal, do qual faz parte e de onde evoluiu.
A moderna teoria evolutiva deve mais a Charles Darwin do que a qualquer outro
evolucionista, pois foi toda ela construída nas bases de sua obra intitulada “A
Origem das espécies”. Hoje está provado cientificamente que as criaturas
humanas sofreram um processo de evolução extraordinário. Somente do hominídeo
pré-histórico denominado de “Java” ou “Pithecanthropus erectus” até o homem moderno, transcorreram milhares e
milhares de anos de desenvolvimento e aprimoramento do organismo do ser vivo.
Dessa forma, não
podemos separar a Natureza de nós mesmos, pois também somos Natureza, já que
pertencemos aos mesmos departamentos da vida, desde o mineral, vegetal, animal
até ao homem. Na Natureza tudo foi criado com um objetivo e função, porque nada
do que está em nós está errado. O que acontece é que, muitas vezes, usamos mal
- ou seja, não aprendemos a usar convenientemente e dentro de um senso de
equilíbrio - as possibilidades mais íntimas de nossa alma imortal.
Em nossos
parentes distantes, os animais irracionais, existe o impulso do ataque-defesa. Manifesta-se
também em nós esse mesmo impulso, denominado “instinto de destruição”. É ele
uma das primeiras manifestações da lei de preservação, da sobrevivência dos animais
em geral, e imprescindível para defendê-los dos perigos da vida.
Nos dias atuais,
o termo “raiva” talvez tenha sido interpretado como sendo somente crueldade,
violência, vingança, quando, na realidade, significa primordialmente “estado de
alerta”, visto que essa energia emocional nos aguça todos os demais sentidos,
para uma eventual necessidade de proteção e apoio a qualquer fato ou situação
que nos coloque em ameaça.
Esse impulso
natural possibilita à nossa mente uma maior oportunidade de elaboração,
percepção e raciocínio, deixando-nos alerta para enfrentar e sustentar as mais
diversas dificuldades. Ativa nossos desejos de realização, impulsiona ações determinantes
para rompermos a timidez e constrangimentos, encoraja-nos a nos colocar no meio
social e estimula-nos a defesa-fuga diante de situações de risco.
Em vista disso,
entendemos que exaltação, irritação, melindre, raiva, ódio, violência ou
crueldade fazem parte da mesma família desse impulso, bem como coragem,
persistência, determinação, audácia, valentia. Podemos sentir essas mesmas
emoções, em níveis diversos de intensidade, de conformidade com nosso grau de
evolução, conceituando esse ímpeto com nomenclaturas diversificadas.
A etimologia da
palavra “emoção” significa “movimento para fora” e pode ser conceituada como sendo “movimento
que sobe ou emerge em face de um possível estado de prazer ou dor”. Emoções de “construção”, assim denominadas a simpatia e o afeto, aparecem
com a “antecipação do prazer” já as emoções de “destruição”, também conhecidas
como raiva ou irritação, surgem com a “antecipação da dor”.
Destruição e
construção, isto é, raiva e prazer, são os grandes impulsos de onde derivam
todos os demais. Os instintos de construção e destruição são as fontes
primitivas às quais todo o processo da vida está ligado e, por certo, o seu controle
e direcionamento darão um melhor ou pior curso em nossa existência e em nosso
crescimento pessoal.
Portanto, quando
ao ser humano é negado o direito de expressar sua raiva ou prazer, castrado nos
seus primeiros anos de vida, torna-se uma criança indefesa, com tendência a ter
uma personalidade tímida, medrosa e passiva. Já as “tolerâncias ilimitadas” dos
pais nessas áreas induzirão o menor a se confundir com o uso de seus impulsos
de agressividade e afeto, podendo atingir igualmente, em seu estado adulto,
comportamentos apáticos e demonstrar uma enorme falta de iniciativa, infantilização
ou superlativa dependência do lar.
Grande parte dos
professores, tios, pais e avós mantêm uma forma de visão preconceituosa e
obstinada sobre a “raiva”, soterrando os instintos inatos da criança,
castigando-a e vendo-a como criatura má e imperfeita, a qual atribuem atitudes reprováveis.
Por acreditarem
que tais energias emocionais sejam completamente
condenáveis e inadmissíveis, é que
forçam os pequenos a ser, a qualquer preço, “adaptados” e “ bem-comportados”,
a maneira deles. Isso irá gerar mais adiante posturas de isolamento e
distanciamento dos adultos, por lhes ter sido negado o exercício de aprender a
comandar suas mais importantes e primitivas emoções.
Na contenção da
raiva no adulto, notamos o escoamento do instinto para outros órgãos do corpo
físico, surgindo assim a somatização com o aparecimento neles dos primeiros
sinais de doença, pois para lá que a energia reprimida se transferiu e se
localizou.
Em outras
situações, as manifestações do descontrole dessas energias geram crises de fúria,
predisposições ao suicídio, apatias, acerbações sexuais, paralisias histéricas,
sentimentos de culpa, fobias e outros tantos transtornos espirituais e mentais.
Todas as vezes
que somos incomodados ou defrontados com agressores, o impulso de raiva vai
surgir. Ele é automático, é nosso “estado de alerta”, que nos vigia e que nos
defende de tudo aquilo que pode nos comprometer ou destruir.
Nas criaturas
mais amadurecidas, contudo, os impulsos instintivos
moldaram-se à sua mentalidade superior,
e elas passaram a controlá-los,
canalizando-os de forma mais adequada e
coerente. Esses dois impulsos
fundamentais, o prazer e a raiva, nesses
mesmos indivíduos foram depurados em seus estados primitivos - atividades eróticas e violentas - e transformados nas atividades das áreas
afetiva e de iniciativa com determinação.
Essencialmente,
porém, é preciso dizer que o ato de transformação do impulso de destruição não
requer a “anulação” ou “extinção” dele em nossa intimidade , e sim o
aprendizado de transmutá-lo, observando o que diz literalmente a palavra
―transformação‖, oriunda do latim: “trans” quer dizer “através de”; “forma”, o
modo pelo qual uma coisa existe ou se manifesta; e “actio”, “ação”. Entendemos
por fim que, ―através de novas ações, mudaremos as formas pelas quais a raiva
se manifesta‖, sem, todavia, aniquilá-las ou exterminá-las.
Com essa visão,
a proposta salutar de canalizar e sublimar a agressividade é promover-nos
profissionalmente, criando atividades educativas, usando práticas do esporte e
outras tantas realizações. Todos aqueles que se dedicam às atividades nas áreas
da criatividade, como poetas, pintores, oradores, escultores, artesãos, escritores,
compositores e outros, fazem parte das criaturas que direcionam seus impulsos
de agressividade para as artes em geral, sublimando-os.
Por sua vez, os
que se exercitam fisicamente constituem exemplos clássicos daqueles que escoam
naturalmente para o esporte sua energia de raiva. Outros tantos a transformam,
redirecionando-a para as atividades junto aos carentes, nas obras e
instituições de promoção e assistência social.
Quando as
crianças insistirem em cortar, destruir, quebrar, arrancar,
esmagar, torcer, bater ou amassar, estão
apenas manuseando suas emoções
emergentes de raiva ou seus impulsos
agressivos, para que saibam usá-los no futuro com controle e conveniência. Em
vez de censurá-los e criticá-los, devemos oferecer-lhes um “material adequado”,
para que essas manifestações possam ocorrer plenamente, sem dissabores ou
demais prejuízos.
Desse modo, “amar
os inimigos não é, pois, ter para com eles uma afeição que não está na Natureza”.
(2) Nossas emoções são energias que obedecem às leis naturais da vida, são
previstas nos estatutos da “Lei de destruição” e da “Lei de Conservação”, e
agem mecanicamente, pois são disparadas ao detectarmos nossos adversários.
Não obstante, “o
contato de um inimigo faz bater o coração de maneira bem diferente do de um
amigo”, (3) quer dizer, a emoção energética da raiva ativa a glândula
supra-renal, que libera a adrenalina no sangue. O coração acelera, a pressão
arterial sobe, a respiração se intensifica, os músculos se contraem; daí sentirmos
essa sensação estranha e incômoda.
Em síntese, “amar”
os inimigos ou adversários, na interpretação do ensino de Jesus Cristo, não é
nutrir por eles ódio ou qualquer propósito de vingança, nem mesmo desejar-lhes
mal algum. Acima de tudo, o Mestre queria dizer que nossas emoções inatas de
raiva, em nosso atual contexto evolutivo, não querem, em verdade, destruir nada
do que está “fora de nós”, como se fazia nos primórdios da evolução. Ao
contrário, elas querem nos defender, destruindo conceitos, atitudes e
pensamentos “dentro de Nós”, os quais nos tornam suscetíveis e vulneráveis ao
mundo e, conseqüentemente, nos fazem ser atacados, machucados e ofendidos.
Livro: Renovando
Atitudes
Espírito: Hammed
Médium:
Francisco do Espírito Santo Neto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário