Como tantos, o
caso de Argemiro Zaqueu é o seguinte:
Ele embaratustou
no templo espírita e se postou diante do diretor da casa, o velho Epifânio
Calístrato, choramingando...
– Ai de mim!...
O senhor é o presidente da casa, não é?
E, antes que
Calístrato respondesse, prosseguiu:
– Pois é...
Pessoa que sofre como eu, o senhor nunca viu. Já não aguento mais. É uma
penação sem fim, dia e noite... Já me tratei de muitos modos, remédio não dá
conta...
Saio da cama,
toda manhã, tremendo, tremendo... Vejo vultos rondando o aposento, ouço vazes,
procura saber quem é, não acho ninguém. É um enfaramento de tudo e de todos,
que nem sei explicai... Quando olho para a coitada de minha mulher, noto a
presença de outra pessoa nela...
Pessoa que os
demais não enxergam... O senhor sabe como é... Fico atordoado, perco a cabeça,
atormentado por vazes e mais vazes... Se bebo café ou se tomo qualquer refeição,
desconfio de veneno, como se alguém estivesse soprando idéias estranhas sobre o
meu pensamento... Não sei o que fazer de minha vida... Como devo agir, Seu
Calístrato?
Epifânio tornava
posição para responder e chegava a colocar a primeira palavra na comissura dos
lábios; entretanto, Zaqueu voltava à carga:
– Ah! esqueci-me
de dizer... Se alguém chega em casa, alguém que não seja da família, sinto o
coração batendo acelerado e corro a esconder-me... Tenho medo de qualquer novidade.
Profissão, já larguei... Via tanta gente que ninguém via na repartição e
conversava tanto, sozinho, que o melhor para mim foi licença... Sou um homem
desprezado... Todos fogem de mim... Meus dois filhos perderam o respeito e
gritam na minha cara... Minha mulher, por duas vezes, já me levou à internação em
casa de saúde, mas não melhorei... Seu Calístrato, que posso fazer?
Epifânio debalde
tentava dizer alguma coisa, porque Zaqueu lhe impunha silêncio, lastimanda:
– Ainda não
contei o que passo na rua... Basta pôr o pé fora da porta e começa nova perturbação...
É um pavor de tudo, que nada contém... Se um amigo me toca, de leve, penso que
vou morrer. Carro, não consigo olhar de perto... Barulho de máquina, não
suporto... Em toda esquina, tenho a impressão de que pessoas ocultas gargalham
com sarcasmo, zombando de mim...
Ajude-me, Seu Calístrato!...
O interlocutor
empenhava esforço para dizer qualquer coisa; no entanto, Zaqueu avançava:
– Escute...
Quero ainda falar sobre a noite... Anseio descansar, mas quem diz que eu durmo?
Tudo roda em meu quarto... Se passo por ligeira madorna, alta madrugada, é
aflição em cima de aflição, pois vejo inimigos de carranca terrível, levantando
punhais...
Grito,
contorço-me desesperado, até que alguém me acorde... E quando me vejo desperto,
as vazes me rodeiam, afrontando-me com injúrias... Daí, levanto-me sem saber se
estou louco... Por amor de Deus, tenha dó de mim, Seu Calístrato!...
O generoso amigo
deu-se pressa em falar e ponderou:
– Bem, meu caro,
tudo indica que seu caso é mediunidade, exigindo estudo... Venha à nossa
reunião de amanhã e procuraremos trabalhar juntos.
– Trabalhar? -
indagou o visitante repentinamente desapontado.
– Sim, trabalhar
no sentido de orar e estudar em equipe, conjugando as nossas próprias energias
no objetivo de amparar aqueles que sofrem mais que nós mesmos. É preciso não
esquecer que auxiliando a outros é que somos auxiliados...
– Então –
observou o candidato ao socorro – é necessário trabalhar?
– Sim, sim... –
acentuou o experiente orientador – venha amanhã e comecemos...
Para nós todos a
lei determina a obrigação de nos apoiarmos reciprocamente.
O queixoso,
porém, ouvindo falar em responsabilidade e serviço, perdeu a loquacidade,
passando a despedir-se. E, até hoje, decorridos seis anos, conquanto Epifânio ainda
o espere, não mais voltou.
Livro: Aulas da
Vida.
Espíritos
Diversos / Chico Xavier.
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