No caleidoscópio
do comportamento humano há, quase sempre, uma grande preocupação por mais
parecer do que ser, dando origem aos homens-espelhos, aqueles que, não tendo
identidade própria, refletem os modismos, as imposições, as opiniões alheias.
Eles se tornam o que agrada às pessoas com quem convivem, o ambiente que no seu
comportamento neurótico se instala. Adota-se uma fórmula religiosa sem que se
viva de forma equânime dentro dos cânones da religião. É a experiência da
religião sem religiosidade, da aparência social sem o correspondente emocional
que trabalha em favor da auto-realização. O conceito de Deus se perde na
complexidade das fórmulas vazias do culto externo, e a manifestação da fé
íntima desaparece diante das expressões ruidosas, destituídas dos componentes espirituais
da meditação, da reflexão, da entrega. Disso resulta uma vida esvaziada de esperança,
sem convicção de profundidade, sem madureza espiritual. A religião se destina
ao conforto moral e à preservação dos valores espirituais do homem, demitizando
a morte e abrindo-lhe as portas aparentemente indevassáveis à percepção humana.
Desvelar os
segredos da vida de ultratumba, demonstrar-lhe o prosseguimento das aspirações
e valores humanos, ora noutra dimensão dentro da mesma realidade da vida, é a
finalidade precípua da religião. Ao invés da proibição castradora e do
dogmatismo irracional, agressivo à liberdade de pensamento e de opção, a
religião deve favorecer a investigação em torno dos fundamentos existenciais,
das origens do ser e do destino humano, ao lado dos equipamentos da ciência,
igualmente interessada em aprofundar as sondas das pesquisas sobre o mundo, o
homem e a vida.
A fim de que
esse objetivo seja alcançado, faz-se indispensável a coragem de romper com a
tradição — rebelar-se contra a mãe religião — libertando-se das fórmulas, para
encontrar a forma da mais perfeita identificação com a própria consciência
geradora de paz. Tornar-se autêntico é uma decisão definidora que precede a
resolução de crescer para dar-se. O desafio consiste na coragem da análise de
conteúdo da religião, assim como da lógica, da racionalidade das suas teses e
propostas. Somente, desta forma, haverá um relacionamento criativo entre o crente
e a fé, a religiosidade emocional e a religião.
Essa busca
preserva a liberdade íntima do homem perante a vida, facultando-lhe um
incessante crescimento, que lhe dará a capacidade para distinguir o em que
acredita e por que em tal crê, sustentando as próprias forças na imensa
satisfação dos seus descobrimentos e nas possibilidades que lhe surgem de
ampliar essas conquistas.
Já não se torna,
então, importante a religião, formal e circunspecta, fechada e sombria, mas a
religiosidade interior que aproxima o indivíduo de Deus em toda a Sua
plenitude: no homem, no animal, no vegetal, em a natureza, nas formas viventes
ou não, através de um interrelacionamento integrador que o plenifica e o
liberta da ansiedade, da solidão, do medo.
A personalidade
conflitante no jogo dos interesses da sociedade cede lugar à individualidade
eterna e tranqüila, não mais em disputa primária de ambições e sim em
realizações nas quais se movimenta. Os outros camuflam a sua realidade e vivem
conforme os padrões, às vezes detestados, que lhes são apresentados ou impostos
pela sua sociedade. Não se trata da coragem de arrostar conseqüências pela
própria temeridade, mas do valor para enfrentar-se a si mesmo, gerando um
relacionamento saudável com as demais pessoas, repetindo com entusiasmo a experiência
mal sucedida, sem ataduras de remorso ou lamentação pelo fracasso. É saber retirar
do insucesso os resultados positivos, que se podem transformar em alavancas
para futuros empreendimentos, nos quais a decisão de insistir e realizar
assumem altos níveis éticos, que se tornam desafios no curso do processo
evolutivo.
Para que o ânimo
robusto possa conduzir às lutas exteriores, faz-se necessária a autoconquista,
que torna o indivíduo justo, equilibrado, sem a característica ansiedade
neurótica, reveladora do medo do futuro, da solidão, das dificuldades que
surgem.
É preciso que o
homem se arrisque, se aventure, mesmo que esta decisão o faça ansioso quanto ao
seu desempenho, aos resultados. Ninguém pode superar a ansiedade natural, que
faz parte da realidade humana, desde que não extrapole os limites, passando a
conflito neurótico.
Ao lado disso,
considerando-se a origem espiritual do indivíduo e a Força Criadora do
Universo, nele permanece o germe de religiosidade aguardando campo fecundo para
desabrochar.
Expressa-se,
esse conteúdo intelecto-moral, em forma de culto à arte, à ciência, à
filosofia, à religião, numa busca de afirmação-integração da sua na Consciência
Cósmica. A força primitiva e criadora, nele existente como uma fagulha, possui
o potencial de uma estrela que se expandirá com as possibilidades que lhe sejam
facultadas. Bem direcionada, sua luz vencerá toda a sombra e se transformará na
energia vitalizadora para o crescimento dos seus valores intrínsecos, no
desdobramento da sua fatalidade, que são a vitória sobre si mesmo, a relativa
perfeição que ainda não tem capacidade de apreender.
A religiosidade
é uma conquista que ultrapassa a adoção de uma religião; uma realização
interior lúcida, que independe do formalismo, mas que apenas se consegue
através da coragem de o homem emergir da rotina e encontrar a própria
identidade.
Livro: O Homem
Integral.
Joanna de
Ângelis / Divaldo Pereira Franco.
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