O Pai, atendendo
aos reclamos do filho mais moço, repartiu seus haveres entre ele e o seu irmão
mais velho.
O Pródigo, logo
após, esbanja a parte que lhe toca, numa vida dissoluta, passando da riqueza à
miséria. Abatido e humilhado, o Pródigo reconhece-se o único culpado de sua
imensa desventura. Arrependido, procura a casa paterna que outrora abandonara fascinado
pelo arrebatamento de incontidas paixões. O Pai, ao vê-lo de volta, corre pressuroso
ao seu encontro, abraça-o, com grande júbilo, e recebe-o ruidosa e festivamente.
O Egoísta, que
havia conservado intactos os bens recebidos, mostra-se magoado com a atitude
generosa do Pai; e, protestando, dirige-lhe a seguinte observação: "Eu permaneci
sempre contigo, tenho intacta a herança que me coube; não obstante, jamais promoveste
qualquer festividade em minha honra, enquanto que esse teu filho, boêmio e dissipador,
mereceu esplêndido banquete festejando seu regresso." Retruca o Pai: É
certo que não dissipaste os bens herdados; mas, por isso, nada sofreste, ao
passo que teu irmão suportou todos os reveses e torturas originários dos erros
que cometeu. Hoje, sábio pela experiência adquirida; virtuoso, pelo sofrimento
suportado; puro, graças ao batismo de fogo, que recebeu através do cadinho da
dor; regressa ele ao lar paterno, mansão de todos os filhos, qual perdido,
então encontrado, qual morto, então redivivo. É um ato de justiça, portanto, a
expansão de amor com que o acolhi.
Os dois irmãos
representam a Humanidade. O Pródigo é a fiel imagem dos pecadores cujas faltas
transparecem, ressaltam logo à primeira vista. Semelhantes transviados
deixam-se arrastar ao sabor das voluptuosidades, como barcos que vogam à mercê
das ondas, sem leme e sem bússola. Sabem que são pecadores, estão cônscios das
imperfeições próprias e, comumente, ostentam para os que têm olhos de ver, de permeio
com as graves falhas de seus caracteres, apreciáveis virtudes. E assim permanecem,
até que o aguilhão da dor os desperte.
O filho mais
velho, o Egoísta é a perfeita encarnação dos pecadores que se julgam isentos de
culpa, protótipos de virtudes, únicos herdeiros das bem-aventuranças eternas, pelo
fato de se haverem abstido do mal. São os orgulhosos, os exclusivistas, os
sectários que se apartam dos demais para não se contaminarem, como faziam os
fariseus. A soberba não lhes permite conceber a unidade do destino. O Pródigo,
a seu ver, deve ser excluído do lar. Não vêem ligação alguma de solidariedade
entre os membros da família humana. Quando se referem ao Pródigo, dizem:
"Esse teu filho." Descrêem da reabilitação dos culpados. Só podem ver
a sociedade sob seus aspectos de camadas diversas, camadas inconfundíveis.
Imaginam-se no alto, e os demais em baixo.
O mal do Egoísta
é muito mais profundo, está muito mais radicado que o do Pródigo. Este tem
qualidades ao lado dos defeitos. Aquele não tem vícios, mas igualmente não tem
virtudes. É o Ladrão da cruz, e o Moço de qualidade: aquele penetra os arcanos
celestiais, este fica excluído. O Egoísta não esbanja os dons: esconde-os, como
o avarento esconde as moedas. Não mata, porém é incapaz de arriscar um fio de cabelo
para salvar alguém. Não rouba, mas também não dá. Não jura falso, mas não se abalança
ao mais ligeiro incômodo na defesa dum inocente. Seus atos e atitudes são invariavelmente
negativos.
Tais pecadores
acham-se, por isso, mais longe de Deus que os demais, apesar das aparências
denunciarem o contrário. E a prova está em que as íntimas simpatias, de todos
que lêem a Parábola, se inclinam para o Pródigo, num movimento natural e espontâneo.
É a escolha do coração; e o coração, muitas vezes, julga melhor que a razão.
Livro: Nas
Pegadas do Mestre.
Vinícius.
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