Invariavelmente,
o indivíduo busca superar esse eu opositor frequente, adotando comportamento
castrador, por intermédio do esforço consciente para suprimi-lo, o que redunda
em grande fracasso, porque o polo que orienta o outro eu permanece vivo, embora
disfarçado pela aparência que se adquire.
Não são poucos
os indivíduos que se refugiam em ideais, especialmente nas doutrinas religiosas,
como evasão da realidade, adotando comportamentos nobres, no entanto,
mascaradores dos seus conflitos, como, por exemplo, quando na adoção de condutas
violadoras das funções orgânicas, especialmente as genésicas, liberando, embora
inconscientemente, a sexualidade, nos abraços e beijos fraternais...
A sombra
existente no ser humano não deve ser combatida, senão diluída pela integração
na sua realidade existencial.
Ela desempenha,
portanto, um papel fundamental no equilíbrio entre o ego e o Self, no que
resulta a unificação também dos poios quando se consegue a sua diluição.
A cisão
existente, defluente da fragmentação psicológica, deve avançar para a
integração, a unidade.
O ego, no
conceito freudiano, conforme bem o define o dicionário Aurélio, é: A parte mais
superficial do id, a qual, modificada, por influência direta do mundo exterior,
por meio dos sentidos, e, em consequência, tornada consciente, tem por funções a
comprovação da realidade e a aceitação, mediante seleção e controle, de parte
dos desejos e exigências procedentes dos impulsos que emanam do id.
Nele se
encontram, portanto, os impositivos dos instintos que se derivam do princípio
do prazer e pela compulsão ao desejo.
São esses
impulsos o resultado dos instintos procedentes das faixas primárias da evolução,
que se destacam em oposição quase dominante contra a razão, a consciência de
solidariedade, de fraternidade, de tolerância e de amor.
Dominador, o ego
mascara-se no personalismo, em que se refugiam as heranças grosseiras, que
levam o indivíduo à prepotência, à dominação dos outros, em face da dificuldade
de fazê-lo em relação a si mesmo, isto é, libertar-se da situação deplorável em
que se encontra.
A luta interna
dos dois poios faz-se cruel, embora o ego aparente ignorá-la, mantendo uma
superficial consciência do valor que se atribui, do poder que exterioriza, da
condição com que se apresenta.
Sendo o Self o
arquétipo básico da vida consciente, o princípio inteligente, ele é o somatório
de todas as experiências evolutivas, sempre avançando na direção do estado
numinoso.
Nessa
dissociação dos poios, muitas vezes pode parecer que o indivíduo, a grande
esforço, conseguiu a integração, até o momento em que se surpreende com o
terror da cisão inesperada que o leva a um transtorno profundo, especialmente
se viveu em razão de um ideal que asfixiou o conflito, mas não o solucionou, despertando
com sensação de inutilidade, de vazio existencial.
Sucede que o ego
exige destaque, compensação, aplauso, embora nos conflitos entre razão e
instinto, originando-se nele um tipo de sede de água do mar, que não é saciada
por motivo óbvio.
Mesmo
encontrando compensações de prazer, do impulso instintivo que leva à compulsão
do desejo, a insatisfação defluente da ansiedade do poder empurra a sua vítima
ao transtorno depressivo, porque a sua ânsia de dominação termina por
esvaziá-lo interiormente.
O mesmo ocorre
na vida monástica, no período em que diminuem o entusiasmo e o egotismo no
postulante ou no religioso, quando então é acometido pela melancolia que se
agrava em afligente depressão, falsamente interpretada como interferência demoníaca,
pelo fanatismo que ainda vige em muitos setores da fé espiritualista.
Com alguma
razão, Alfredo Adler referia que o instinto de dominação no indivíduo, quando
não encontra compensação ou não se sente reconhecido e aceito, foge, oculta-se
na depressão, na qual expressa a agressividade e a violência.
Nesse sentido, o
paciente não tem problema, pois que o estado em que se encontra de alguma forma
faz-lhe bem, tornando-se um problema para o grupamento social saudável, que
busca manipular, dominando-o, tornando-se fator de preocupação para os outros.
*
Conscientizar a
sombra, diluindo-a, mediante a sua assimilação, ao invés de ignorá-la, constitui
passo avançado para a perfeita identificação entre ego e Self.
Jung percebeu
com clareza esses dois eus no indivíduo, que se podem explicar como resultantes
do Self, aquele que é bom e gentil, e do ego que preserva o lado feroz, vulgar,
licencioso, negativo.
Poder-se-ia
dizer que o indivíduo possuiria duas almas em contínuo antagonismo no finito de
si mesmo.
Essas expressões
apresentam-se na conduta humana, quando em público, aparenta-se uma forma de
ser e, quando, no lar, na família ou a sós, outra bem diferente. O que
representa gentileza transforma-se em mal-estar, azedume e aspereza.
Aceitar-se com
naturalidade esses opostos é recurso salutar, terapêutico, para melhor contribuir-se
em favor da harmonia entre os outros litigantes, que são o ego e o Self.
No comportamento
social não é necessário mascarar-se de qualidades que não se possuem, embora
não se deva expor as aflições internas, os tormentos do polo negativo.
Assumir-se a
realidade do que se é, administrando, pela educação - fonte geradora dos valores
edificantes e enobrecedores - os impulsos do desejo e do prazer,
transformando-os em emoções de bem-estar e alegria, saindo da área das
sensações dominantes, constitui maneira eficiente para diminuir a luta existente
entre os dois arquétipos básicos da vida humana.
Uma religião
racional como o Espiritismo, destituída de fórmulas que ocultam o seu conteúdo,
que é otimista e não castradora, que convida o indivíduo a assumir as suas
dificuldades, trabalhando-as com naturalidade, sem a preocupação de parecer o
que ainda não consegue, estruturada na realidade do ser imortal, com as suas
glórias e limitações, é valioso recurso terapêutico para a união de todos os
opostos, que passarão a fundir-se, dando lugar a um eu liberado dos conflitos,
que se pode unir à Divindade, sem os artifícios que agradam os indivíduos
ligeiros e seus supérfluos comportamentos existenciais.
A luta,
portanto, existente entre o ego e o Selfé saudável, por significar atividade
contínua no processo de crescimento, e não postura estática, amorfa, que
representa uma quase morte psicológica do ser existencial.
Humanizar-se, do
ponto de vista psicológico, é integrar-se. Jesus-Cristo foi peremptório,
demonstrando a Sua perfeita integração com o Pai, quando enunciou: - Eu e o Pai
somos um, dando lugar à perfeita identificação entre ambos, aos comportamentos
nobres, às propostas libertadoras sem poios de oposição.
Mais tarde, o
apóstolo Paulo, superando as lutas entre o ego dominante e o Self altruísta,
universal, proclamou: — Já não sou eu quem vive, mas o Cristo que vive em mim.
A sombra que
nunca teve existência em Jesus, dele fez a Luz do mundo e a que existia em Saulo,
Paulo, por fim, iluminou-a, diluindo-a no amor.
Livro: Em Busca
da Verdade.
Joanna de
Ângelis / Divaldo Franco.
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