Herdeiro de si
mesmo, carregando, no inconsciente, as experiências transatas, o homem não foge
aos atavismos que o jungem ao primitivismo, embora as claridades arrebatadoras
do futuro chamando-o para as grandes conquistas.
Liberar-se do
forte cipoal das paixões animalizantes para os logros da razão é o grande
desafio que tem pela frente. Onde quer que vá, encontra-se consigo mesmo. A sua
evolução sócioantropológica é a história das contínuas lutas, em que o artista
— o Espírito — arranca do bloco grotesco — a matéria — as expressões de beleza
e grandiosidade que lhe dormem imanentes.
Os mitos de todos os povos, na história das artes, das
filosofias e das religiões, apresentam a luta contínua do ser libertando-se da
argamassa celular, arrebentando algemas para firmar-se na liberdade que passa a
usar, agressivamente, no começo, até converter-se em um estado de consciência
ética plenificador, carregado de paz. Em cada mito do passado surge o homem em
luta contra forças soberanas que o punem, o esmagam, o dominam. Gerado o
conceito da desobediência, o reflexo da punição assoma dominador, reduzindo o
calceta a uma posição ínfima, contra a qual não se pode levantar, sequer
justificar a fragilidade.
Essa incapacidade de enfrentar o imponderável — as forças
desgovernadas e prepotentes — mais tarde se apresenta camuflada em forma de
rebelião inconsciente contra a existência física, contra a vida em si mesma. Obrigado
mais a temer esses opressores, do que a os amar, compelido a negociar a
felicidade mediante oferendas e cultos, extravagantes ou não, sente-se coibido
na sua liberdade de ser, então rebelando-se e passando a uma atitude formal em
prejuízo da real, a um comportamento social e religioso conveniente ao invés de
ideal, vivendo fenômenos neuróticos que o deprimem ou o exaltam, como efeitos
naturais de sua rebelião íntima.
Ao mesmo tempo, procurando deter os instintos agressivos
nele jacentes, sem os saber canalizar, sofre reações psicológicas que lhe
perturbam o sistema emocional. O ressentimento — que é uma manifestação da
impotência agressiva não exteriorizada — converte-se em travo de amargura, a
tornar insuportável a convivência com aqueles contra os quais se volta.
Antegozando o desforço — que é a realização íntima da
fraqueza, da covardia moral — dá guarida ao ódio que o combure, tornando a sua
existência como a do outro em um verdadeiro inferno.
O ódio é o filho predileto da selvageria que permanece em
a natureza humana. Irracional, ele trabalha pela destruição de seu oponente,
real ou imaginário, não cessando, mesmo após a derrota daquele.
Quando não pode descarregar as energias em descontrole
contra o opositor, volta-se contra si mesmo articulando mecanismos de
autodestruição, graças aos quais se vinga da sociedade que nele vige.
Os danos que o ódio proporciona ao psiquismo, por destrambelhar
a delicada maquinaria que exterioriza o pensamento e mantém a harmonia do ser,
tornam-se de difícil catalogação.
Simultaneamente, advêm reações orgânicas que se refletem
nas funções hepáticas, digestivas, circulatórias, dando origem a futuros
processos cancerígenos, cardíacos, cerebrais...
A irradiação do ódio é portadora de carga destrutiva que,
não raro, corrói as engrenagens do emissor como alcança aquele contra quem vai
direcionada, caso este sintonize em faixa de equivalência vibratória.
Lixo do inconsciente, o ódio extravasa todo o conteúdo de
paixões mesquinhas, representativas do primarismo evolutivo e cultural.
Algumas escolas, na área da psicologia, preconizam como
terapia, a liberação da agressividade, do ódio, dos recalques e castrações,
mediante a permissão do vocabulário chulo, das diatribes nas sessões de grupo,
das acusações recíprocas, pretendendo o enfraquecimento das tensões, ao mesmo
tempo a conquista da auto-realização, da segurança pessoal.
Sem discutirmos a validade ou não da experiência, o homem
é pássaro cativo fadado a grandes vôos; ser equipado com recursos superiores,
que viaja do instinto para a razão, desta para a intuição e, por fim, para a
sua fatalidade plena, que é a perfeição.
Uma psicologia baseada em terapêutica de agressão e libertação
de instintos, evitando as pressões que coarctam os anseios humanos, certamente
atinge os primeiros propósitos, sem erguer o paciente às cumeadas da realização
interior, da identificação e vivência dos valores de alta monta, que dão cor,
objetivo e paz à existência.
Assumir a inferioridade, o desmando, a alucinação é extravasá-los,
nunca sanar o mal, libertar-se dele por desnecessário.
Se não é recomendável para as referidas escolas, a repressão,
pelos males que proporciona, menos será liberar alguns, aos outros agredindo,
graças aos falsos direitos que tais pacientes requeiram para si, arremetendo
contra os direitos alheios.
A sociedade, considerada como castradora, marcha para
terapias que canalizem de forma positiva as forças humanas, suavizando as
pressões, eliminando as tensões através de programas de solidariedade, recreio
e serviços compatíveis com a clientela que a constitui.
O ódio pressiona o homem que se frustra, levando-o ao
suicídio. Tem origens remotas e próximas.
Nas patologias depressivas, há muito fenômeno de ódio
embutido no enfermo sem que ele se dê conta. A indiferença pela vida, o temor
de enfrentar situações novas, o pessimismo disfarçam mágoas, ressentimentos,
iras não digeridas, ódios que ressumam como desgosto de viver e anseio por
interromper o ciclo existencial.
Falhando a terapia profunda de soerguimento do enfermo, o
suicídio é o próximo passo, seja através da negação de viver ou do gesto
covarde de encerrar a atividade física. Todos os indivíduos experimentam
limites de alguma procedência. Os extrovertidos conquistadores ocultam, às
vezes, largos lances de timidez, solidão e desconfiança, que têm dificuldade em
superar.
Suas reuniões ruidosas são mais mecanismos de fuga do que
recursos de espairecimento e lazer. Os alcoólicos que usam, as músicas
ensurdecedoras que os aturdem, encarregam-se de mantê-los mais solitários na
confusão do que solidários uns com os outros. As gargalhadas, que são esgares
festivos, substituem os sorrisos de bem-estar, de satisfação e humor,
levando-os de um para outro lugar-nenhum, embora se movimentem por cidades,
clubes e reuniões diversos. O ser humano deve ter a capacidade de discernimento
para eleger os valores compatíveis com as necessidades reais que lhe são
inerentes.
Descobrir a sua realidade e crescer dentro dela, aumentando
a capacidade de ser saudável, eis a função da inteligência individual e
coletiva, posta a benefício da vida.
As transformações propõem incertezas, que devem ser
enfrentadas naturalmente, como as oposições e os adversários encarados na
condição de ocorrências normais do processo de crescimento, sem ressentimentos,
nem ódios ou fugas para o suicídio.
O homem que progride cada dia, ascende, não sendo atingido
pelas famas dos problematizados que o não podem acompanhar, por enquanto, no
processo de crescimento.
Alcançado o acume desejado, este indivíduo está em condições
de descer sem diminuir-se, a fim de erguer aquele que permanece na retaguarda.
Ora, para alcançar-se qualquer meta e, em especial, a da
paz, torna-se necessário um planejamento, que deflui da autoconsciência, da
consciência ética, da consciência do conhecimento e do amor,
O planejamento precede a ação e desempenha papel fundamental
na vida do homem.
Somente uma atitude saudável e uma emoção equilibrada,
sem vestígios de ódio, desejo de desforço, podem planejar para o bem, o êxito,
a felicidade.
Livro: O HOMEM INTEGRAL.
Joanna de Ângelis / Divaldo Franco.