Marta! Marta! andas inquieta..
Há na existência
humana — na existência de toda criatura — duas partes: a material, representada
pelas obrigações que a própria vida impõe, e a espiritual, representada pelos
deveres relacionados com a alma eterna.
Ambas são
respeitáveis, porque integram o conjunto de necessidades humanas, decorrentes
da própria vida em sociedade.
A mulher e
o homem, o velho e a criança, o pobre e o rico, a autoridade e
o subalterno, o letrado e o analfabeto vivem as duas partes.
O que as
distingue, contudo, é que uma tem caráter efêmero e a outra tem caráter definitivo.
A parte material
de nossa vida, em que pese à sua respeitabilidade, é passageira, é transitória.
A parte
espiritual é eterna, imortal, imperecível.
A inquietação de
Marta indica apreço maior à parte material, tanto assim que se não preocupa
com as sublimes lições que o Mestre distribui, com abundância — e que
Maria absorve, sequiosa.
À medida que a
criatura vai sentindo a parte espiritual, começa a existir nela mesma,
do lado de dentro, uma quietude, um sossego, uma profunda e inalterável
calma no trato com a outra parte — a material.
Foi o caso de
Maria.
Não ignorava que
a arrumação do aposento e o próprio repasto podiam ser adiados —
sem prejuízo para os interesses eternos.
Podiam ficar
para depois, a fim de que se não perdesse o alimento divino que Jesus ofertava.
O
abençoado minuto da visita do Cidadão Celeste representava ocorrência
fundamental, inadiável, que, possivelmente, nunca mais se repetisse.
O Mestre deveria
seguir o seu caminho, demandando outras aldeias e outras gentes, a espalhar luz
em profusão e bênçãos em abundância.
Sol Divino — a
iluminar outros sóis, que lhe refletem a claridade. . .
Urgia, portanto,
não se perdesse uma só de suas palavras, um só dos seus ensinamentos.
Esse era o
conceito de Maria, a respeito da visita de Jesus à sua casa.
***
Há muita gente
no mundo na posição de Marta: generosa e fraterna, mas inquieta, agitada,
desassossegada ante as coisas perecíveis.
Muito poucos
seguimos o exemplo de Maria, que, acordada para a Verdade, mostravase quieta
por dentro e por fora, superior aos problemas efêmeros, sem,
contudo, desprezarlhes a valia relativa.
A advertência do
Mestre conserva, ainda hoje, a sua oportunidade.
É necessário
impere em nós o espírito calmo de Maria, inclinado às coisas infinitas, a
fim de que as inquietações finitas de Marta nos não impeçam de ouvir, sem
enfado, os conselhos do Mestre — que o Evangelho trouxe e o Espiritismo
revive.
O Evangelho, que
o Senhor pregava naquela hora a Maria e a Marta, continua sendo o tema de
mais fundamental importância para a nossa alma.
Por meio de suas
lições, sentidas e exemplificadas, caminharemos para o progresso, alcançaremos
a luz.
Os problemas
mundanos, sem que os depreciemos, nem lhes diminuamos o valor, atendem,
apenas, ao instante que passa.
Jesus — no
conceito de Maria — era uma realidade que ela desejava perenizar na sua alma;
um tesouro que não lhe devia fugir dos olhos e do coração.
Jesus — no
conceito de Marta — era um Hóspede Celeste, cuja presença deveria honrar, naquele
instante.
Os serviços
domésticos constituíam, para a jovem afanosa, elemento inadiável.
O Cristo
respeitou, carinhosamente, a imaturidade da moça de Betânia, tanto que se limitou
a realçarlhe a inquietação, tentando reajustála: Marta! Marta!
Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas.
Identificoulhe,
com ternura, a infância espiritual.
Sabiaa
despreparada para remígios mais altos, como plumitiva das coisas espirituais.
Não a censurou,
nem a recriminou. Apenas aconselhoua, com delicadeza, a que se acalmasse.
E, sem exaltar a
vantajosa posição de Maria, para não lhe prejudicar o germe do entendimento
superior, esclarece: Maria, pois, escolheu a boa parte e esta não lhe será
tirada.
Livro: Estudando
O Evangelho.
Martins Peralva.
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