“Seja o vosso modo de falar um simples
sim, um simples não — o que passa daí vem do mal.”
Quão profunda
sabedoria em tão poucas palavras!
Aprendi no
Catecismo que não se deve jurar falso nem em vão; mas que o juramento sério e
verdadeiro é bom e pode até ser necessário. Tenho em meu poder uma Bíblia, publicada
com a devida aprovação eclesiástica, que, depois das palavras “não jureis de
forma alguma”, acrescenta em parênteses as seguintes palavras restritivas, do
tradutor: “se não for necessário”, inutilizando assim a proibição categórica do
Cristo e adulterando o Evangelho pela teologia.
Tudo que passa
de um simples sim e de um simples não vem do mal, inclusive o juramento, tanto
falso como verdadeiro, porque ele nunca é necessário. Em última análise, todo e
qualquer juramento provém do mal, porque supõe algo mau. O juramento foi
introduzido na vida social da humanidade por causa da desconfiança e
inconfidência que, em geral, reinam entre os homens. Uns mentem aos outros. E,
quando alguém fala a verdade, ninguém acredita, de tão geral que é o hábito de
mentir. Por isso no intuito de corroborar a verdade de uma afirmação, exigem os
homens, que ela seja consolidada por meio dum juramento. Quem jura invoca a
Deus por testemunha, da verdade do que afirma, e, se a sua afirmação não representa
a verdade, mas uma inverdade consciente, então invoca a Deus como testemunha da
mentira, o que é uma blasfêmia, chamada “perjúrio”.
É verdade que o juramento oferece maior
garantia da verdade do que um simples sim ou não?
Absolutamente
não!
Quem é capaz de
mentir é capaz, também, de jurar falso. E quem não pode confiar em uma
afirmação simples como expressão da verdade, esse, também, não pode confiar em
uma afirmação juramentada.
O divino Mestre
não está interessado em curar sintomas de doença, mas sim, a própria doença. A
praxe de jurar é sintoma de um mal profundo, que é o hábito de desrespeitar a verdade.
Quem reprime sintomas é charlatão — quem cura a raiz do mal é médico.
O caráter do
Evangelho não é simplesmente corretivo, mas sim preventivo. Se a humanidade se
habituasse a nunca mentir, nunca ninguém sentiria a necessidade de jurar, porque
um simples sim ou um simples não dariam certeza absoluta.
O comerciante
mente sobre o valor e os preços das mercadorias, a fim de acumular matéria
morta.
A dona da casa
manda a empregada mentir que a patroa não está em casa, para não receber
visitas indesejáveis.
O político, o
advogado, o diplomata mentem para prestigiar ou desprestigiar uma causa ou uma
pessoa.
O estudante
mente “colando” uma prova do vizinho em vez de estudar o assunto.
Até a criança
mente para não ser castigada. Omnis homo mendax — afirma a Sagrada Escritura —
todo homem é mendaz.
Por isso, com o
fito de fazerem crer aos outros que o que dizem é verdade, julgam os homens
necessário jurar, invocando a Deus por testemunha.
O juramento é
prole legítima da mendacidade — e como poderia ser puro o filho, se tão impura
é a mãe?...
O verdadeiro
discípulo do Cristo, fez consigo esse pacto sacrossanto, de nunca faltar à verdade,
por maiores que sejam as vantagens que a inverdade lhe dê, ou as desvantagens
que lhe advenham do culto à verdade.
Quase 100% da
nossa publicidade comercial, pela imprensa, pelo rádio, pela televisão, pelos
cartazes, são mentira a serviço da cobiça. A alma da arte publicitária consiste
em fazer crer ao homem que ele necessita de uma coisa que ele apenas deseja; e,
quando ele identifica o seu desejo artificial com uma necessidade natural,
então é dócil freguês e compra tudo de que julga necessitar.
Torna-se freguês
e enriquece os cofres dos publicitários e vendedores, graças a uma série de
mentiras que ele aceitou como verdades.
Quem lê ou ouve
diariamente esse dilúvio de mentiras veiculadas pelos citados canais de
publicidade, dificilmente atingirá um grau de verdadeira pureza, necessária
para a sua realização em Cristo. A nossa decantada civilização, quase
inteiramente baseada na mentira e na ganância, é o maior impedimento para a
auto-realização. Quem se expõe diariamente a esse impacto de profanidade e se
identifica, aos poucos, com esse ambiente, não deve estranhar a sua falta de
espiritualidade e paz interior. Quem não quer os meios não quer o fim, Mahatma
Gandhi foi, durante toda a sua vida, após a conversão ao mundo de Deus, o grande
cultor da verdade incondicional, mesmo à custa dos maiores sacrificios. Sabia
ele que a verdade, e só ela, é que é libertadora.
A verdadeira
felicidade não medra senão em um clima da veracidade absoluta e incondicional.
Os sofrimentos que o culto inexorável da verdade acarreta, não raro, a seus
fiéis discípulos, são necessários para que a verdade possa prosperar — assim
como o adubo é necessário para a planta poder medrar devidamente.
Sendo que Deus é
a própria Verdade, tanto mais divino é o homem quanto mais intransigente cultor
da Verdade.
O verdadeiro
discípulo do Cristo não pode reduzir-se à condição de ser um passivo refletor
da opinião pública e dos vícios sociais, como se fosse um simples espelho — tem
a missão sagrada de ser um diretor e orientador de seus semelhantes, rumo à grande libertação, rumo às alturas do
reino de Deus...
Livro: O Sermão
da Montanha.
Huberto Rohden.
Excelente texto.
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