2. Honrarás a
teu pai e a tua mãe, para teres uma dilatada vida sobre a Terra que o Senhor
teu Deus te há de dar. (Decálogo, Êxodo, XX:12).
3. O mandamento:
"Honra a teu pai e a tua mãe", é uma conseqüência da lei geral da
caridade e do amor ao próximo, porque não se pode amar ao próximo sem amar aos
pais; mas o imperativo honra implica um dever a mais para com eles: o da
piedade filial. Deus quis demonstrar, assim, que ao amor é necessário juntar o
respeito, a estima, a obediência e a condescendência, o que implica a obrigação
de cumprir para com eles, de maneira ainda mais rigorosa, tudo o que a caridade
determina em relação ao próximo. Esse dever se estende naturalmente às pessoas
que se encontram no lugar dos pais, e cujo mérito é tanto maior, quanto o
devotamento é para elas menos obrigatório. Deus pune sempre de maneira rigorosa
toda violação desse mandamento.
Honrar ao pai e
à mãe não é somente respeitá-los, mas também assisti-los nas suas necessidades;
proporcionando-lhes o repouso na velhice; cercá-los de solicitude, como eles fizeram
por nós na infância.
É sobretudo para
com os pais sem recursos que se demonstra a verdadeira piedade filial.
Satisfariam a
esse mandamento os que julgam fazer muito, ao lhes darem o estritamente necessário
para que não morram de fome, enquanto eles mesmos de nada se privam?
Relegando-os aos
piores cômodos da casa, apenas para não deixá-los na rua, e reservando para si
mesmos os melhores aposentos, os mais confortáveis? E ainda bem quando tudo
isso não é feito de má vontade, sendo os pais obrigados a pagar o que lhes
resta da vida com a carga dos serviços domésticos! É então justo que pais
velhos e fracos tenham de servir filhos jovens e fortes? A mãe lhe teria
cobrado o leite, quando ainda estavam no berço? Teria, por acaso, contado as
suas noites de vigília, quando eles ficavam doentes, os seus passos para proporcionar-lhes
o cuidado necessário? Não, não é só o estritamente necessário que os filhos devem
aos pais pobres, mas também, tanto quanto puderem, as pequenas alegrias do supérfluo,
as amabilidades, os cuidados carinhosos, que são apenas os juros do que receberam,
o pagamento de uma dívida sagrada. Essa, somente, é a piedade filial aceita por
Deus.
Infeliz,
portanto, aquele que se esquece da sua dívida para os que o sustentaram na
infância, os que, com a vida material, lhe deram também a vida moral, e que
frequentemente se impuseram duras privações para lhe assegurar o bem-estar! Ai
do ingrato, porque ele será punido pela ingratidão e o abandono; será ferido
nas suas mais caras afeições, ás vezes desde a vida presente, mas de maneira
certa noutra existência, em que terá de sofrer o que fez os outros sofrerem!
Certos pais, é
verdade, descuidam dos seus deveres, e não são para os filhos o que deviam ser.
Mas é a Deus que compete puni-los, e não aos filhos. Não cabe a estes
censurá-los, pois que talvez eles mesmos fizeram por merecê-los assim. Se a
caridade estabelece como lei que devemos pagar o mal com o bem, ser indulgentes
para as imperfeições alheias, não maldizer do próximo, esquecer e perdoar as
ofensas, e amar até mesmo os inimigos, quando essa obrigação se faz ainda
maior, em relação aos pais! Os filhos, devem, por isso mesmo, tomar como regra
de conduta para com os pais todos os preceitos de Jesus referentes ao próximo,
e lembrar que todo procedimento condenável em relação aos estranhos, mais
condenável se torna para com os pais. Devem lembrar que aquilo que no primeiro
caso seria apenas uma falta, pode tornar-se um crime no segundo, porque, neste,
à falta de caridade junta-se a ingratidão.
4. Deus disse:
"Honrarás a teu pai e a tua mãe, para teres uma dilatada vida sobre a
Terra que o Senhor teu Deus te há de dar." Mas por que promete como
recompensa vida terrena e não a celeste? A explicação se encontra nestas
palavras: "Que Deus vos dará", suprimidas na forma moderna do
decálogo, o que lhe desfigura o sentido. Para compreendermos essas palavras, temos
de nos reportar à situação e às idéias dos hebreus, na época em que elas foram pronunciadas.
Eles ainda não compreendiam a vida futura. Sua visão não se estendia além dos limites
da vida física. Por isso, deviam ser mais fortemente tocados pelas coisas que
viam, do que pelas invisíveis. Eis o motivo porque Deus lhes fala numa
linguagem ao seu alcance, e, como as crianças, lhes apresenta como perspectiva
aquilo que poderia satisfazê-los. Eles estavam então no deserto. A Terra que
Deus lhes dará é a Terra da Promissão, alvo de suas aspirações. Nada mais
desejavam, e Deus lhes diz que viverão nela por longo tempo, o que significa
que a possuirão por longo tempo, se observarem os seus mandamentos.
Mas, ao advento
de Jesus, suas idéias estavam mais desenvolvidas. Tendo chegado o momento de
lhes ser dado um alimento menos grosseiro, Jesus os inicia na vida espiritual,
ao dizer: "Meu reino não é deste mundo; é nele, e não sobre a Terra, que
recebereis a recompensa das vossas boas obras." Com estas palavras, a
Terra da Promissão material se transforma numa pátria celeste. Da mesma
maneira, quando lhes recorda a necessidade de observação do mandamento;
"Honra a teu pai e a tua mãe", já não é mais a Terra que lhes promete,
mas o céu.
Livro: O
Evangelho Segundo o Espiritismo – Allan Kardec, Cap. XIV.
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