Era uma vez um
rei chamado Dionísio, monarca de Siracusa, a cidade mais rica da Sicília.
Vivia num
palácio cheio de requintes e de belezas, atendido por uma criadagem sempre
disposta a fazer-lhe as vontades.
Naturalmente,
por ser rico e poderoso, muitos siracusanos invejavam-lhe a sorte. Dâmocles
estava entre eles. Era dos melhores amigos de Dionísio e dizia-lhe
frequentemente:
Que sorte a
sua! Você tem tudo que se pode desejar. Só pode ser o homem mais feliz do
mundo!
Dionísio foi
ficando cansado de ouvir esse tipo de conversa.
Assim, certo
dia propôs ao amigo a experiência de passar um dia, um dia apenas em seu lugar,
como monarca, desfrutando de tudo aquilo.
Este aceitou
imediatamente com alegria.
No dia
seguinte, Dâmocles foi levado ao palácio e os criados reais lhe puseram na
cabeça a coroa de ouro, e o trataram como rei.
Recostou-se em
almofadas macias e sentiu-se o homem mais feliz do mundo. Ah, isso é que é vida! -
Confessou a Dionísio, que se encontrava sentado à mesa, na outra extremidade.
Nunca me
diverti tanto.
Subitamente,
Dâmocles enrijeceu-se todo. O sorriso fugiu-lhe dos lábios e o rosto
empalideceu. Suas mãos estremeceram. Esqueceu-se da comida, do vinho, da
música. Só queria ir embora dali, para bem longe do palácio, para onde quer que
fosse.
Percebeu que pendia bem acima de
sua cabeça uma espada, presa ao teto por um único fio de crina de cavalo. A
lâmina brilhava, apontando diretamente para seus olhos.
Ficou
paralisado, preso ao assento. Tentou levantar, mas não conseguiu, por medo de
que a espada, com um movimento seu, pudesse lhe cair em cima.
O que foi, meu
amigo? - Perguntou Dionísio. - Parece que você perdeu o apetite.
Essa espada!
Essa espada! - Disse o outro, num sussurro. - Você não está vendo?
É claro que
estou. Vejo-a todos os dias. Está sempre pendendo sobre minha cabeça e há
sempre a possibilidade de alguém ou alguma coisa partir o fio.
Um dos meus
conselheiros pode ficar enciumado do meu poder e tentar me matar. As pessoas
podem espalhar mentiras a meu respeito, para jogar o povo contra mim. Pode ser
que um reino vizinho envie um exército para tomar-me o trono.
Ou então,
posso tomar uma decisão errônea que leve à minha derrocada. Quem quer ser líder
precisa estar disposto a aceitar esses riscos. Eles vêm junto com o poder,
percebe?
É claro que percebo!
- Disse Dâmocles. Vejo agora que eu estava enganado e que você tem muitas
coisas em que pensar além de sua riqueza e fama. Por favor, assuma o seu lugar
e deixe-me voltar para a minha casa.
Até o fim de
seus dias, Dâmocles não voltou a querer trocar de lugar com o rei, nem por um
momento sequer.
* * *
Antes de
deixar que a inveja cresça em nosso coração, lembremos da espada de Dâmocles.
Toda riqueza,
todo poder, toda fama vem com uma série de decorrências naturais que devem ser
consideradas.
Não nos
deixemos consumir por esta luta incessante do orgulho, da vaidade não
satisfeita.
A inveja é uma
das mais feias e das mais tristes misérias do nosso globo. A caridade e a
constante emissão da fé farão desaparecer todos esses males.
Redação do
Momento Espírita, com base em lenda grega e trecho da Revista Espírita, de
julho de 1858, de Allan Kardec.
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