Tiago, o mais
velho, em explanação preciosa, falou sobre as ânsias de riqueza, tão comuns em
todos os mortais, e, findo o interessante debate doméstico, Jesus comentou
sorridente: — Um homem temente a Deus e consagrado a retidão, leu muitos
conselhos alusivos à prudência, e deliberou trabalhar, com afinco, de modo a
reter um tesouro com que pudesse beneficiar a família.
Depois de
sentidas orações, meteu-se em várias empresas, aflito por alcançar seus fins.
E, por vinte
anos consecutivos, ajuntou moeda sobre moeda, formando o patrimônio de alguns
milhões.
Quando parou de
agir, a fim de apreciar a sua obra, reconheceu, com desapontamento, que todos
os quadros da própria vida se haviam alterado, sem que ele mesmo percebesse.
O lar, dantes
simples e alegre, adquirira feição sombria.
A esposa
fizera-se escrava de mil obrigações destinadas a matar o tempo; os filhos
cochichavam entre si, consultando sobre a herança que a morte do pai lhes
reservaria; a amizade fiel desertara; os vizinhos, acreditando-o completamente
feliz, cercaram-no de inveja e ironia; as autoridades da localidade em que
vivia obrigavam-no a dobradas atitudes de artifício, em desacordo com a
sinceridade do seu coração.
Os negociantes
visitavam-no, a cada instante, propondo-lhe transações criminosas ou
descabidas; servidores bajulavam-no, com declarado fingimento quando ao lado de
seus ouvidos, para lhe amaldiçoarem o nome, por trás de portas semi-cerradas.
Em razão de
tantos distúrbios, era compelido a transformar a residência numa fortaleza,
vigiando-se contra tudo e contra todos.
Sobrava-lhe
tempo, agora, para registrar as moléstias do corpo e raramente passava algum
dia sem as irritações do estômago ou sem dores de cabeça.
Em poucas
semanas de meticulosa observação, concluiu que a fortuna trancafiada no cofre
era motivo de desilusões e arrependimentos sem termo.
Em certa noite,
porque não mais tolerasse as preocupações obcecantes do novo estado, orou em
lágrimas, suplicando a inspiração do Senhor.
Depois da
comovente rogativa, eis que um anjo lhe aparece na tela evanescente do sonho e
lhe diz, compadecido: — Toda fortuna que corre, à maneira das águas cristalinas
da fonte, é uma bênção viva, mas toda riqueza, em repouso inútil, é poço
venenoso de águas estagnadas...
Por que exigiste
um rio, quando o simples copo dágua te sacia a sede? Como te animaste a
guardar, ao redor de ti, celeiros tão recheados, quando alguns grãos de trigo
te bastam à refeição? Que motivos te induziram a amontoar centenas de peles, em
torno do lar, quando alguns fragmentos de lã te aquecem o corpo, em trânsito para
o sepulcro?...
Volta e converte
a tua arca de moedas em cofre milagroso de salvação! Estende os júbilos do
trabalho, cria escolas para a sementeira da luz espiritual e improvisa a
alegria a muitos! Somente vale o dinheiro da Terra pelo bem que possa fazer!
Sob indizível espanto, o caçador de outro despertou transformado e, do dia
seguinte em diante, passou a libertar as suas enormes reservas, para que todos
os seus vizinhos tivessem junto dele, as bênçãos do serviço e do bom ânimo...
Desde o primeiro
sinal de semelhante renovação, a esposa fixou-o com estranheza e revolta, os
filhos odiaram-no e os seus próprios beneficiados o julgaram louco; todavia,
robustecido e feliz, o milionário vigilante voltou a possuir no domicílio um
santuário aberto e os gênios da alegria oculta passaram a viver em seu coração.
Silenciando o
Mestre, Tiago, que comandava a palestra da noite, exclamou, entusiasta: —
Senhor, que ensinamento valioso e sublime!...
Jesus sorriu e
respondeu: — Sim, mas apenas para aqueles que tiverem “ouvidos de ouvir” e
“olhos de ver”.
Livro: Jesus no
Lar.
Neio Lúcio /
Chico Xavier.
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