O apóstolo
Bartolomeu foi um dos mais dedicados discípulos do Cristo, desde os primeiros
tempos de suas pregações, junto ao Tiberíades. Todas as suas possibilidades
eram empregadas em acompanhar o Mestre, na sua tarefa divina. Entretanto,
Bartolomeu era triste e, vezes inúmeras, o Senhor o surpreendia em meditações
profundas e dolorosas.
Foi, talvez, por
isso que, uma noite, enquanto Simão Pedro e sua família se entregavam a
inadiáveis afazeres domésticos, Jesus aproveitou alguns instantes para lhe
falar mais demoradamente ao coração.
Após uma
interrogativa afetuosa e fraternal, Bartolomeu deixou falasse o seu espírito
sensível.
Mestre – exclamou, tìmidamente – não saberia nunca
explicar-vos o porquê de minhas tristezas amargurosas. Só sei dizer que o vosso
Evangelho me enche de esperanças para o reino de luz que nos espera os
corações, além, nas alturas... Quando esclarecestes que o vosso reino não é
deste mundo, experimentei uma nova coragem para atravessar as misérias do
caminho da Terra, pois, aqui, o selo do mal parece obscurecer as coisas mais
puras!... Por toda parte, é a vitória do crime, o jogo das ambições, a colheita
dos desenganos!...
A voz do
apóstolo se tornara quase abafada pelas lágrimas. Todavia, Jesus fitou-o brandamente
e lhe falou, com serenidade:
– A nossa
doutrina, entretanto, é a do Evangelho ou da Boa-Nova e já viste, Bartolomeu,
uma boa notícia não produzir alegria? Fazes bem, conservando a tua esperança em
face dos novos ensinamentos; mas, não quero senão acender o bom ânimo no
espírito dos meus discípulos. Se já tive ocasião de ensinar que o meu reino
ainda não é deste mundo, isso não quer dizer que eu desdenhe o trabalho de
estendê-la, um dia, aos corações que mourejam na Terra. Achas, então, que eu
teria vindo a este mundo, sem essa certeza confortadora? O Evangelho terá de
florescer, primeiramente, na alma das criaturas, antes de frutificar para o espírito
dos povos. Mas, venho de meu Pai, cheio de fortaleza e confiança, e a minha mensagem
lerá de proporcionar grande júbilo a quantos a receberem de coração.
Depois de uma
pausa, em que o discípulo o contemplava silencioso, o Mestre continuou:
– A vida
terrestre é uma estrada prodigiosa, que conduz aos braços amorosos de Deus. O
trabalho é a marcha. A luta comum é a caminhada de cada dia. Os instantes
deliciosas da manhã e as horas soturnas de serenidade são os pontos de repouso
; mas, ouve-me bem! Na atividade ou no descanso físico, a oportunidade de uma
hora, de uma leve ano, de uma palavra humilde é o convite de Nosso Pai para que
semeemos as suas bênçãos sacrossantas.
Em geral, os
homens abusam desse ensejo precioso para anteporem a sua vontade imperfeita aos
desígnios superiores, perturbando a própria marcha. Daí resultam as jornadas
mais ásperas obrigatórias para retificação das faltas cometidas, os
infrutíferos labores. Em vista destas razões, observamos que os viajares da
Terra estão sempre desalentados. Na obcecação de sua vontade própria, ferem a
fronte nas pedras da estrada, cerram os ouvidos à realidade espiritual, vendam
os olhos com a sombra da rebeldia e passam em lágrimas, em desesperadas imprecações
e amargurados gemidos, sem enxergarem a fonte cristalina, a estrela cariciosa
do céu, o perfume da flor, a palavra de um amigo, a claridade das experiências
que Deus espalhou, para a sua jornada, em todos os aspectos do caminho.
Houve um pequeno
intervalo nas considerações afetuosas, depois do que, sem mesmo perceber
inteiramente o alcance de suas palavras, Bartolomeu interrogou :
- Mestre, os
vossos esclarecimentos dissipam os meus pesares; mas, o Evangelho exige de nós
a fortaleza permanente?
– A verdade não
exige, transforma. O Evangelho não poderia reclamar estados especiais de seus
discípulos; porem, é preciso considerar que a alegria, a coragem e a esperança
devem ser traços constantes de suas atividades em cada dia. Por que nos
firmemos no pesadelo de uma hora, se conhecemos a realidade gloriosa da
eternidade com o Nosso Pai?
– E quando os
negócios do mundo nos são adversos? E quando tudo parece em luta contra nós? –
Perguntou o pescador, de olhar inquieto.
Jesus, todavia,
como se percebesse, inteiramente, a finalidade de suas perguntas, esclareceu com
bondade:
– Qual o melhor
negócio do mundo, Bartolomeu? Será a aventura que se efetua a peso de ouro,
muita vez amordaçando-se o coração e a consciência, para aumentar as preocupações
da vida material, ou a iluminação definitiva da alma para Deus, que se realiza tão
só pela boa vontade do homem, que deseje marchar para o seu amor, por entre as
luzes do caminho? Não será a adversidade nos negócios do mundo um convite amigo
para a criatura semear com mais amor, um apelo indireto que a arranque às
ilusões da Terra para as verdades do reino de Deus?
Bartolomeu
guardou aquela resposta no coração, não, todavia, sem experimentar certa
estranheza. E logo, lembrando-se de que sua genitora partira, havia pouco
tempo, para a sombra do túmulo, interpelou ainda, ansioso:
– Mestre, e não
será justificável a tristeza quando perdemos um ente amado?
– Mas, quem
estará perdido, se Deus é o Pai de todos nós?... Se os que estão sepultados no
lodo dos crimes hão de vislumbrar, um dia, a alvorada da redenção, por que lamentarmos
em desespero, o amigo que partiu ao chamado do Todo-Poderoso? A morte do corpo
abre as portas de um mundo 'novo para a alma. Ninguém fica verdadeiramente
órfão sobre a Terra, como nenhum ser está abandonado, porque tudo é de Deus e
todos somos seus filhos. Eis porque todo discípulo do Evangelho tem de ser um
semeador de paz e de alegria!...
Jesus entrou em
silêncio, como se houvera terminado a sua exposição judiciosa e serena.
E, pois que a
hora já ia adiantada, Bartolomeu se despediu. O olhar do Mestre oferecia ao
seu, naquela noite, uma luz mais doce e mais brilhante; suas mãos lhe tocaram
os ombros, levemente, deixando-lhe uma sensação serena e desconhecida.
***
Embora nascido
em Caná da Galiléia, Bartolomeu residia, então, em Dalmanuta, para onde se
dirigiu, meditando gravemente nas lições que havia recebido. A noite
pareceu-lhe formosa como nunca. No alto, as estrelas se lhe afiguravam as luzes
gloriosas do palácio de Judeus à espera das suas criaturas, com hinos de
alegria. As águas de Genesaré, aos seus olhos, estavam mais plácidas e felizes.
Os ventos brandos lhe sussurravam ao entendimento cariciosas inspirações, como
um correio delicado que chegasse do céu.
Bartolomeu
começou a recordar as razões de suas tristezas intraduzíveis, mas, com surpresa,
não mais as encontrou no campo do coração. Lembrava-se de haver perdido a afetuosa
genitora; refletiu, porém, com mais amplitude, quanto aos desígnios da
Providência Divina. Deus não lhe era pai e mãe nos céus? Recordou os
contratempos da vida e ponderou que seus irmãos pelo sangue o aborreciam e
caluniavam. Entretanto, Jesus não lhe era um irmão generoso e sincero? Passou
em revista os insucessos materiais. Contudo, que eram as suas pescarias ou a
avareza dos negociantes de Betsaida e de Cafarnaum, comparados à luz do reino
de Deus, que ele trabalhava por edificar no coração?
Chegou a casa
pela madrugada. Ao longe, os primeiros clarões do Sol lhe pareciam mensageiros
do conforto celestial. O canto das aves ecoava em seu espírito como notas harmoniosas
de profunda alegria. O próprio mugido dos bois apresentava nova tonalidade aos seus
ouvidos. Sua alma estava agora clara, o coração aliviado e feliz.
Ao ranger os
gonzos da porta, seus irmãos dirigiram-lhe impropérios, acusando-o de mau
filho, de vagabundo e traidor da lei. Bartolomeu, porém, recordou o Evangelho e
sentiu que só ele tinha bastante alegria para dar a seus irmãos. Em vez de
reagir àsperamente, como de outras vezes, sorriu-lhes com a bondade das
explicações amigas. Seu velho pai o acusou, igualmente, escorraçando-o. O
apóstolo, no entanto, achou natural. Seu pai não conhecia a Jesus e ele o
conhecia. Não conseguindo esclarecê-los, guardou os bens do silêncio e achou-se
na posse de uma alegria nova. Depois de repousar alguns momentos, tomou as suas
redes velhas e demandou sua barca. Teve para todos os companheiros de serviço
uma frase consoladora e amiga. O lago como que estava mais acolhedor e mais
belo; seus camaradas de trabalho, mais delicados e acessíveis. De tarde, não
questionou com os comerciantes, enchendo-lhes, aliás, o espírito de boas
palavras e de atitudes cativantes e educativas.
Bartolomeu havia
convertido todos os desalentos num cântico de alegria, ao sopro regenerador dos
ensinamentos do Cristo; todos o observaram com admiração, exceto Jesus, que
conhecia, com júbilo, a nova atitude mental de seu discípulo.
***
No sábado
seguinte, o Mestre demandou as margens do lago, cercado de seus numerosos
seguidores. Ali, aglomeravam-se homens e mulheres do povo, judeus e funcionários
de Antipas, a par de grande número de soldados romanos.
Jesus começou a
pregar a Boa-Nova e, a certa altura, contou, conforme a narrativa de Mateus,
que – “o reino dos céus é semelhante a um tesouro que, oculto num campo, foi achado
e escondido por um homem que, movido de gozo, vendeu tudo o que possuía e comprou
aquele campo”.
Nesse instante,
o olhar do Mestre pousou sobre Bartolomeu que o contemplava, embevecido; a luz
branda de seus olhos generosos penetrou fundo no íntimo do apóstolo, pela
ternura que evidenciava, e o pescador humilde compreendeu a delicada alusão do ensinamento,
experimentando a alma leve e satisfeita, depois de haver alijado todas as vaidades
de que ainda se não desfizera, para adquirir o tesouro divino, no campo
infinito da vida.
Enviando a Jesus
um olhar de amor e reconhecimento, Bartolomeu limpou uma lágrima. Era a
primeira vez que chorava de alegria. O pescador de Dalmanuta aderira, para sempre,
aos eternos júbilos do Evangelho do Reino.
Livro: Boa Nova.
Espíritos
Diversos
Chico Xavier.
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