Teoria Espírita do conhecimento - O que
conhecemos?
O Espírito é,
pois, o conhecedor, é o princípio inteligente da Natureza, cuja faculdade
perceptiva se desenvolve através de fases sucessivas. Primeiro, temos a
sensibilidade vegetal; depois, a perceptibilidade animal; por fim, a inteligência
humana. Uma frase célebre de León Denis resume todo esse processo milenar: “A alma
dorme na pedra, sonha no vegetal, agitase no animal e acorda no homem”. O
conceito de alma foi estudado por Kardec na introdução de “O LIVRO DOS
ESPÍRITOS”. A Filosofia Espírita define a alma como o Espírito encarnado. O
princípio inteligente, quando manifestado na matéria, produz a vida, segundo o
nosso restrito conceito de vida. Assim, ele anima a matéria, é a ânimo dos
latinos, a alma das coisas e dos seres. No homem, a alma é o Espírito que anima
o corpo. Quando o homem morre sua alma volta ao estado de Espírito, liberta‐se
da função de alma. Não existem “almas do outro mundo”, pois estas, na verdade,
são Espíritos.
Mas o que é que
o conhecedor conhece, o que é que conhecemos através da nossa faculdade
perceptiva e da nossa capacidade intelectiva? Há o conhecimento das coisas
exteriores e o das coisas interiores. Há a percepção objetiva, que estabelece a
relação sujeito‐ objeto, e a percepção subjetiva, que
faz do sujeito o seu próprio objeto. Isso quer dizer, em termos epistemológicos
(na teoria das ciências) que há Ciência e há Filosofia. Como já vimos, a
Ciência investiga os objetos exteriores, a Filosofia investiga a si mesma, é o
pensamento debruçado sobre si mesmo. Podemos retornar às explicações de Platão:
há o mundo sensível e o mundo inteligível. Temos acesso ao sensível por meio da
percepção, captamos, sentimos, percebemos as coisas exteriores. Temos acesso ao
inteligível por meio da razão e da intuição. São essas as duas faces da
realidade. O verso e o reverso da moeda com que pagamos o direito de saber.
Desde o tempo
dos gregos a nossa Civilização Ocidental vem se debatendo entre esses dois
campos do conhecimento. Hoje, temos o mundo dividido em duas partes: numa se
desenvolve o pensamento materialista como ideologia oficial dos Estados; noutra,
o pensamento espiritualista na mesma posição. Nem uma nem outra dessas formas de
pensamento, dessas sistematizações do conhecimento, conseguiu trazer nem poderá
trazer ao homem a solução dos seus problemas. A Filosofia Espírita se coloca
entre ambas e nos oferece a solução dialética, nos termos da velha e boa
dialética de Hegel, mostrando o equívoco desse divisionismo artificial e
anunciando o advento da compreensão global da realidade.
Espírito e
matéria – ensina a Filosofia Espírita – são os dois elementos constitutivos do
universo. Sobre ambos paira o poder unificador que é Deus. Essa, diz “O LIVRO
DOS ESPÍRITOS”, é a trindade universal. Mas a realidade não se fecha apenas
nesse tríptico, nesse esquema geral. Ela é una em essência, mas é múltipla nas
suas manifestações. A lei cósmica é a da diversidade da unidade. Querer reduzir
o real a um dos seus aspectos, o materialista ou o espiritualista, é simples
utopia. A própria História da Filosofia nos mostra a impossibilidade de uma
interpretação esquemática da realidade. Os esquemas das diversas escolas
filosóficas serviram apenas de muletas do pensamento, em sua busca da verdade.
Hoje, os filósofos compreendem que as escolas servem como pontos de observação,
como posições estratégicas e não como trincheiras definitivas no campo de
batalha do conhecimento. Não mais se formulam grandes
sistemas. A época dos sistemas passou. A sistemática foi substituída
pela problemática: importam os problemas, não as explicações conclusivas.
A Filosofia
Espírita foi uma antecipação dessa nova atitude filosófica. Na mesma época em
que surgiam os dois últimos grandes sistemas filosóficos: o Positivismo de
Augusto Comte e o Marxismo, os Espíritos diziam a Kardec que era necessário
apresentar ao mundo uma Filosofia racional, “livre dos prejuízos do espírito de
sistema”. E lhe davam as linhas mestras do novo pensamento através do processo
dinâmico do diálogo, que hoje está consagrado em todo o mundo. A forma de
perguntas e respostas de “O LIVRO DOS ESPÍRITOS”, às vezes considerada como
antiquada por alguns espíritas sequiosos de novidades, é hoje a forma preferida
para a busca de soluções em todos os setores das atividades humanas. O diálogo
é a maiêutica de Sócrates e a dialética de Platão e de Hegel ressuscitadas em nosso
tempo. É o instrumento mais prático de conhecimento no plano social. E foi
através dele que surgiu a Filosofia Espírita, no diálogo mediúnico de Kardec
com os Espíritos.
A mediunidade se
apresenta como a oportunidade do diálogo paranormal. A palavra paranormal é
simplesmente uma substituta da palavra sobrenatural. Classifica o fenômeno
natural inabitual a que se referia Richet. Na proporção em que os homens
avançam na evolução espiritual o diálogo mediúnico se integra na normalidade.
Quando Sócrates dialogava com o seu daimon (demônio ou Espírito protetor) ou
quando Joana D'Arc dialogava com as suas vozes, ou quando Abrahão Lincoln (à
maneira do patriarca bíblico) dialogava com os Espíritos na Casa Branca, em
Washington, não estavam fora da Natureza nem de normalidades. Só a ignorância
das leis naturais que regem a comunicação interexistencial (a comunicação
mediúnica entre os diferentes planos de existência) levou os homens a tratarem
o assunto com prevenção e excesso de superstição. O diálogo mediúnico que fez a
Donzela de Orléans a empunhar a espada e salvar a França, que levou Sócrates a impulsionar o conhecimento, que fez Lincoln
assinar a lei de libertação dos
escravos nos Estados Unidos, que orientou Mackenzie King
no governo do Canadá, e assim por
diante, levou Kardec a formular a Doutrina Espírita e oferecer ao mundo a maior
síntese filosófica de todos os tempos, que é a Filosofia Espírita.
Livro:
Introdução a Filosofia Espírita.
J. Herculano
Pires.
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