domingo, 5 de março de 2023

Politeísmo / Sacrifícios / Polytheism / Sacrifices.

 Politeísmo / Sacrifícios.

667. Por que razão, não obstante ser falsa, a crença politeísta é uma das mais antigas e disseminadas?

“A concepção de um Deus único não poderia existir no homem, senão como resultado do desenvolvimento de suas ideias. Incapaz, pela sua ignorância, de conceber um ser imaterial, sem forma determinada, atuando sobre a matéria, conferiu-lhe o homem atributos da natureza corpórea, isto é, uma forma e um aspecto e, desde então, tudo o que parecia ultrapassar os limites da inteligência comum era, para ele, uma divindade. Tudo o que não compreendia devia ser obra de uma potência sobrenatural. Daí a crer em tantas potências distintas quantos os efeitos que observava, não havia mais que um passo. Em todos os tempos, porém, houve homens esclarecidos, que compreenderam ser impossível a existência desses poderes múltiplos a governarem o mundo, sem uma direção superior, e que, em consequência, se elevaram à concepção de um Deus único.”

668. Tendo-se produzido em todos os tempos e sendo conhecidos desde as primeiras idades do mundo, não haverão os fenômenos espíritas contribuído para a difusão da crença na pluralidade dos deuses?

“Sem dúvida, porquanto chamando deus a tudo o que era sobre-humano, os homens tinham por deuses os Espíritos. Daí veio que, quando um homem, pelas suas ações, pelo seu gênio, ou por um poder oculto que o vulgo não lograva compreender, se distinguia dos demais, faziam dele um deus e, por sua morte, lhe rendiam culto.” (603.)

A palavra deus tinha, entre os antigos, acepção muito ampla. Não indicava, como presentemente, uma personificação do Senhor da natureza. Era uma qualificação genérica, que se dava a todo ser existente fora das condições da humanidade. Ora, tendo-lhes as manifestações espíritas revelado a existência de seres incorpóreos a atuarem como potência da natureza, a esses seres deram eles o nome de deuses, como lhes damos atualmente o de Espíritos. Pura questão de palavras, com a única diferença de que, na ignorância em que se achavam, mantida intencionalmente pelos que nisso tinham interesse, eles erigiram templos e altares muito lucrativos a tais deuses, ao passo que hoje os consideramos simples criaturas como nós, mais ou menos perfeitas, que se despojaram de seus envoltórios terrestres. Se estudarmos atentamente os diversos atributos das divindades pagãs, reconheceremos, sem esforço, todos os de que vemos dotados os Espíritos nos diferentes graus da escala espírita, o estado físico em que se encontram nos mundos superiores, todas as propriedades do perispírito e os papéis que desempenham nas coisas da Terra.

Vindo iluminar o mundo com a sua divina luz, o Cristianismo não se propôs destruir uma coisa que está na natureza. Orientou, porém, a adoração para aquele a quem é devida. Quanto aos Espíritos, a lembrança deles se há perpetuado, conforme os povos, sob diversos nomes, e suas manifestações, que nunca deixaram de produzir-se, foram interpretadas de maneiras diferentes e muitas vezes exploradas sob o domínio do mistério. Enquanto para a religião essas manifestações eram fenômenos miraculosos, para os incrédulos sempre foram embustes. Hoje, graças a um estudo mais sério, feito à luz meridiana, o Espiritismo, escoimado das ideias supersticiosas que o ensombraram durante séculos, nos revela um dos maiores e mais sublimes princípios da natureza.

Sacrifícios.

669. Remonta à mais alta antiguidade o uso dos sacrifícios humanos. Como se explica que o homem tenha sido levado a crer que tais coisas pudessem agradar a Deus?

 “Primeiramente, porque não compreendia Deus como sendo a fonte da bondade. Nos povos primitivos a matéria sobrepuja o espírito; eles se entregam aos instintos do animal selvagem. Por isso é que, em geral, são cruéis; é que neles o senso moral ainda não se acha desenvolvido. Em segundo lugar, é natural que os homens primitivos acreditassem ter uma criatura animada muito mais valor, aos olhos de Deus, do que um corpo material. Foi isto que os levou a imolarem, primeiro, animais e, mais tarde, homens. De conformidade com a falsa crença que possuíam, pensavam que o valor do sacrifício era proporcional à importância da vítima. Na vida material, como geralmente a praticais, se houverdes de oferecer a alguém um presente, escolhê-lo-eis sempre de tanto maior valor quanto mais afeto e consideração quiserdes testemunhar a esse alguém. Assim tinha que ser, com relação a Deus, entre homens ignorantes.”

a) — De modo que os sacrifícios de animais precederam os sacrifícios humanos?

“Sobre isso não pode haver dúvida.”

b) — Então, de acordo com a explicação que vindes de dar, não foi de um sentimento de crueldade que se originaram os sacrifícios humanos?

“Não; originaram-se de uma ideia errônea quanto à maneira de agradar a Deus. Considerai o que se deu com Abraão. Com o correr dos tempos, os homens passaram a abusar dessas práticas, imolando seus inimigos, e até mesmo seus inimigos particulares. Deus, entretanto, nunca exigiu sacrifícios, nem de homens, nem, sequer, de animais. Não há como imaginar-se que se lhe possa prestar culto mediante a destruição inútil de suas criaturas.”

670. Dar-se-á que alguma vez possam ter sido agradáveis a Deus os sacrifícios humanos praticados com piedosa intenção?

“Não, nunca. Deus, porém, julga pela intenção. Sendo ignorantes os homens, natural era que supusessem praticar ato louvável imolando seus semelhantes. Nesses casos, Deus atentava unicamente na ideia que presidia ao ato e não neste. À proporção que se foram melhorando, os homens tiveram que reconhecer o erro em que laboravam e reprovar tais sacrifícios, com os quais não podiam conformar-se as ideias dos espíritos esclarecidos. Digo esclarecidos, porque os homens tinham então a envolvê-los o véu material; mas, por meio do livre-arbítrio, possível lhes era vislumbrar suas origens e fim, e muitos, por intuição, já compreendiam o mal que praticavam, se bem que nem por isso deixassem de praticá-lo, para satisfazer às suas paixões.”

671. Que devemos pensar das chamadas guerras santas? O sentimento que impele os povos fanáticos, tendo em vista agradar a Deus, a exterminarem o mais possível os que não partilham de suas crenças, poderá equiparar-se, quanto à origem, ao sentimento que os excitava outrora a sacrificarem seus semelhantes?

“São impelidos pelos maus Espíritos e, fazendo a guerra aos seus semelhantes, contravêm à vontade de Deus, que manda ame cada um o seu irmão como a si mesmo. Todas as religiões, ou, antes, todos os povos adoram um mesmo Deus, qualquer que seja o nome que lhe deem. Por que então há de um fazer guerra de extermínio a outro, sob o fundamento de ser a religião deste diferente da sua, ou por não ter ainda atingido o grau de progresso da dos povos esclarecidos? Se são desculpáveis os povos de não crerem na palavra daquele que o espírito de Deus animava e que Deus enviou, sobretudo os que não o viram e não lhe testemunharam os atos, como pretenderdes que creiam nessa palavra de paz, quando lhes ides levá-la de espada em punho? Eles terão que se esclarecer, sem dúvida; mas devemos esforçar-nos por fazê-los conhecer a doutrina do Cristo mediante a persuasão e com brandura, nunca a ferro e fogo. Em vossa maioria, não acreditais nas comunicações que temos com certos mortais; como quereríeis que estranhos acreditassem na vossa palavra, quando desmentis com os atos a doutrina que pregais?”

672. A oferenda de frutos da terra, feita a Deus, tinha a seus olhos mais mérito do que o sacrifício dos animais?

“Já vos respondi, declarando que Deus julga segundo a intenção, e que para ele pouca importância tinha o fato em si. Mais agradável evidentemente era a Deus que lhe oferecessem frutos da terra, em vez do sangue das vítimas. Como temos dito e sempre repetiremos, a prece proferida do fundo da alma é cem vezes mais agradável a Deus do que todas as oferendas que lhe possais fazer. Repito que a intenção é tudo, que o fato nada vale.”

673. Não seria um meio de tornar essas oferendas agradáveis a Deus consagrá-las a minorar os sofrimentos daqueles a quem falta o necessário e, neste caso, o sacrifício dos animais, praticado com fim útil, não se tornaria meritório, ao passo que era abusivo quando para nada servia, ou só aproveitava aos que de nada precisavam? Não haveria algo de verdadeiramente piedoso em consagrar-se aos pobres as primícias dos bens que Deus nos concede na Terra?

“Deus abençoa sempre os que fazem o bem. O melhor meio de honrá-lo consiste em minorar os sofrimentos dos pobres e dos aflitos. Não quero dizer com isto que ele desaprove as cerimônias que praticais para lhe dirigirdes as vossas preces. Muito dinheiro, porém, aí se gasta que poderia ser empregado mais utilmente do que o é. Deus ama a simplicidade em tudo. O homem que se atém às exterioridades e não ao coração é um espírito de vistas acanhadas. Dizei, em consciência, se Deus deve atender mais à forma do que ao fundo.”

O Livro dos Espíritos – Allan Kardec.

Polytheism / Sacrifices.

667. Why is polytheism one of the oldest and most widespread of human beliefs, despite being false?

“The concept of a single God could only have resulted from the evolutionary development of human thought. Incapable of conceiving an immaterial being with the power to act on matter, humankind naturally attributed physical features to God, basically a form and a face. From that point forward, everything that appeared to transcend ordinary human intelligence was regarded as Divine. Whatever humans could not understand was regarded as being the work of a supernatural power, and led to the belief in the existence of as many separate powers as the numerous effects that were witnessed but for which they could not account. However, there have been enlightened human beings in every era who have understood that it would be impossible for the world to be governed by this array of powers without a supreme ruler, and who were led to formulate the concept of the one and only God.”

668. As spirit phenomena have occurred around the world since the dawn of time, could these phenomena have helped prompt a belief in multiple gods?

“Of course, because human beings applied the term god to whatever transcended humanity. Spirits were many gods for them. Whenever individual humans set themselves apart from others by their actions, their genius, or a mysterious power beyond the understanding of their fellow humans, they were made into gods and were worshiped as such after their deaths.” (See no. 603)

In ancient times, the word god had a variety of meanings. It did not represent the Master of Nature as it does today, but was a generic term applied to all beings that appeared to transcend ordinary human beings. As spirit manifestations revealed the existence of intangible beings acting as one of the elementary powers of nature, they called them gods, just as we call them spirits. This is merely a question of words, with the difference being that they built temples and altars out of ignorance, and gave offerings that became highly lucrative for those whose interests were served. For us, spirits are more or less advanced creatures that have shed their human envelope. If we carefully study the different features of pagan divinities, we can easily recognize those of the spirits today at every level of the spirit hierarchy, their physical state in superior worlds, the role assumed by them in human life, and the various properties of the perispirit.

In shining its divine light on our world, Christianity has taught us to only adore the sole object for which this esteem is due. It could not destroy an element of nature and the belief in the existence of spiritual beings around us that has been preserved under different names. Their manifestations have never stopped, but they have been interpreted diversely and often exploited under the shroud of mystery hiding their true nature. While religion has regarded these spirit communications as miraculous, skeptics have labeled them as fraudulent. Spiritism is free from the superstition that has distorted the perception of these phenomena for ages therefore through scientific investigation and serious study it can now reveal one of the most sublime and important principles of nature.

Sacrifices

669. The practice of offering human sacrifices dates back to antiquity. How could humankind ever think that God would appreciate this?

“First, they did not understand that God is the source of all goodness. Among primitive populations, matter outweighs the spirit. Due to the undeveloped state of their moral qualities, they surrendered to their animal instincts and that is why they were generally so cruel to their instincts of brutality. Second, the humans of prehistoric periods naturally considered a living creature to be much more valuable in God’s eyes than any material object. This led them to offer sacrifices to their gods, first animals and then humans, because they thought that the value of a sacrifice was proportionate to the significance of the victim. When purchasing a gift for someone, you choose something with a cost or worth that is proportionate to how much love, respect or thought you would like to convey to the recipient. It was only natural for primitive human beings who were unaware of the nature of the Supreme Being to do the same.”

a) Did the sacrificing of animals precede that of human beings?

“There is no doubt about it.”

b) According to this explanation, the practice of sacrificing human beings did not originate simply out of cruelty.

“No, it originated from a false idea as to what would be pleasing to God. For instance, look at the story of Abraham. In later times, humans have further corrupted this false idea by killing their enemies, the objects of their personal hostility. God has never carried out sacrifices of any kind, neither animals nor human beings. God would find no honor in the useless destruction of creation.”

670. Has God ever appreciated human sacrifices, when offered with a sincere, religious intention?

“Never, but God always considers the intention that motivates any act. As primitive peoples were ignorant, they may have believed that they were performing a praiseworthy deed in sacrificing their fellow beings. In such a case, God would accept their intention, but not their act. The human race, in working on its own betterment, naturally came to recognize its error and loathe the idea of sacrifices, which never should have entered ‘enlightened’ minds. I say ‘enlightened’ because, back then, spirits were enveloped by the veil of matter, and their free will was enough to give them a flickering glimpse of their origin and destiny. Many among them already understood the evil they were committing intuitively, but they did it anyway for the gratification of their passions.”

671. What should we think of “religious” wars? It seems that the sentiment that induces a nation of fanatics to exterminate the greatest possible number of people who do not share their beliefs, in order to please God, comes from the same source as that which formerly led them to massacre their fellow beings as sacrifices.

“These wars are encouraged by wicked spirits and the humans who wage them place themselves in direct opposition to God’s will, which is that all human beings should love their brothers and sisters as they love themselves. All religions, or rather all people, worship the same God, regardless of the name they use. Why then would one attempt to exterminate the other simply because they believe in different religions, or because one has not yet reached the same degree of enlightenment as that of the aggressor? People may be excused for not believing in the word of the one who was animated by the Spirit of God and sent by God, especially since they have not seen him and have not witnessed the divine acts. In any event, how can you honestly hope that they would heed his message of peace, when you try to force it upon them with violence? It is true that they need to be enlightened and it is your duty to try to teach them Christ’s doctrine. However, this must be done calmly and peacefully, not through violence. Consider that most of you do not believe in the communications we have with some humans. How could you then expect strangers to believe your claims in regard to this fact, if your acts contradict what you preach?”

672. Is offering the fruits of the Earth more acceptable in God’s eyes than sacrificing animals?

“I have already answered your question by saying that God judges the intention behind an action. Of course offering the fruits of the Earth is more acceptable than the blood of victims. As we have told you and always repeat a prayer from the heart is a hundredfold more pleasing to God than all the offerings you could possibly make. The intention is everything, while the fact is nothing.”

673. Could these offerings be made more pleasing to God by using them to assist those who are poor and lack the necessities of life? In that case, couldn’t the sacrificing of animals be considered commendable when accomplished for a useful purpose have been more meritorious than an abusive sacrifice that served no useful end, or benefited only those who lacked for nothing Is there not something truly virtuous in setting aside the fruits of all that God has given us for the poor?

“God always blesses those who do good. To help the poor and those who are suffering is the best way to honor God. I do not mean to say that God disapproves of the ceremonies you use when you pray. However, a good deal of the money spent on these events can be better spent. God loves simplicity in all things. A person who attaches more importance to external matters than to the heart is narrow-minded. How could God attach more importance to the form than to the sentiment motivating your actions?”

THE SPIRITS' BOOK – Allan Kardec.

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