1 Aproximando-se o
termo de sua passagem pelos caminhos da Terra, reuniu Jesus os doze discípulos,
com o fim de lhes consolidar nos corações os santificados princípios de sua
doutrina de redenção.
Naquele crepúsculo
de ouro, por feliz coincidência, todos se achavam em Cesareia de Filipe, ( † )
onde a paisagem maravilhosa descansava sob as bênçãos do Céu.
2 Jesus fitou
serenamente os companheiros e, ao cabo de longa conversação, em que lhes falara
confidencialmente dos serviços grandiosos do futuro, perguntou com afetuoso
interesse:
— E que dizem os
homens a meu respeito? ( † ) De alguma sorte terão compreendido a substância de
minhas pregações?!…
João respondeu que seus amigos o tinham na
conta de Elias, que regressara ao cenário do mundo depois de se haver elevado
ao céu num carro flamejante. ( † ) Simão, o Zelota, relatou os dizeres de
alguns habitantes de Tiberíades, ( † ) que acreditavam ser o Mestre o mesmo
João Batista ressuscitado. Tiago, filho de Cleofas, contou o que ouvira dos
judeus na Sinagoga, os quais presumiam no Senhor o profeta Jeremias.
3 Jesus
escutou-lhes as observações com o habitual carinho e inquiriu:
— Os homens se
dividem nas suas opiniões; mas, vós, os que tendes comungado comigo a todos os
instantes, quem dizeis que eu sou?
Certa perplexidade abalou a pequena
assembleia: Simão Pedro, porém, deixando perceber que estava impulsionado por
uma energia superior, exclamou, comovidamente:
— Tu és o Cristo,
o Salvador, o Filho de Deus Vivo. ( † )
— Bem-aventurado
sejas tu, Simão, — disse-lhe Jesus, envolvendo-o num amoroso sorriso, — porque
não foi a carne que te revelou estas verdades, mas meu Pai que está nos Céus.
Neste momento, entregaste a Deus o coração e falaste a sua voz. Bendito sejas,
pois começas a edificar no espírito a fonte da fé viva. Sobre essa fé,
edificarei a minha doutrina de paz e esperança, porque contra ela jamais
prevalecerão os enganos desastrosos do mundo. ( † )
4 Enquanto Simão
sorria, confortado com o que considerava um triunfo espiritual, o Mestre
prosseguia, esclarecendo a comunidade quanto à revelação divina, no santuário
interior do espírito do homem, sobre cuja grandeza desconhecida o Cristianismo
assentaria suas bases no futuro.
5 No mesmo
instante, preparando os companheiros para os acontecimentos próximos, o Messias
continuou, dizendo:
— Amados, importa
que eu vos esclareça o coração, a fim de que as horas tormentosas que se
aproximam não cheguem a vos confundir o entendimento. Através da palavra de
Simão, tivestes a claridade reveladora. Cumprindo as profecias da Escritura,
sou aquele Pastor que vem a Israel com o propósito de reunir as ovelhas
tresmalhadas do imenso rebanho. ( † ) Venho buscar as dracmas perdidas do
tesouro de Nosso Pai. E qual o pegureiro que não dá testemunho de sua tarefa ao
dono do redil? É indispensável, pois, que eu sofra. Não tardará muito o
escândalo que me há de envolver em suas malhas sombrias. Faz-se mister o
cumprimento da palavra dos grandes instrutores da revelação dos Céus, que me
precederam no caminho!… Está escrito que eu padeça, e não fugirei ao
testemunho.
6 Havendo pequena
pausa na sua alocução, Filipe aproveitou-a para interrogar, emocionado:
— Mestre, como
pode ser isso, se sois o modelo supremo da bondade? O sofrimento será, então, o
prêmio às vossas obras de amor e sacrifício?
7 Jesus, no
entanto, sem trair a serenidade do seu sentimento, retrucou:
— Vim ao mundo
para o bom trabalho e não posso ter outra vontade, senão a que corresponda aos
sábios desígnios d’Aquele que me enviou. Além de tudo, minha ação se dirige aos
que estão escravizados, no cativeiro do sofrimento, do pecado, da expiação.
Instituindo, na Terra, a luta perene contra o mal, tenho de dar o legítimo
testemunho dos meus esforços. Na consideração de meus trabalhos, necessitamos
ponderar que as palavras dos ensinos somente são justas quando seladas com a
plena demonstração dos valores íntimos. Acreditais que um náufrago pudesse
sentir o conforto de um companheiro que apenas se limitasse a dirigir-lhe a voz
amiga, lá da praia, em segurança? Para salvá-lo, será indispensável ensinar-lhe
o melhor caminho de livrar-se da voragem destruidora, nunca tão só com
exortações, mas, atirando-se igualmente às ondas, partilhando dos mesmos
perigos e sofrimentos. O fardo que sobrecarrega os ombros de um amigo será
sempre mais agravado em seu peso, se nos pomos a examiná-lo, muitas vezes
guiados por observações inoportunas; ele, entretanto, se tornará suave e leve
para aquele a quem amamos, se o tomarmos com os nossos esforços sinceros,
ensinando-lhe como se pode atenuar-lhe o peso nas curvas do caminho.
8 Os apóstolos
entreolharam-se, surpresos, e o Messias continuou:
— Não espereis por triunfos, que não os teremos sobre a Terra de agora. Nosso Reino ainda não é, nem pode ser, deste mundo… Por essa razão, em breves dias, não obstante as minhas aparentes vitórias, entrarei em Jerusalém ( † ) para sofrer as mais penosas humilhações. Os príncipes dos sacerdotes me coroarão a fronte com suprema ironia; serei arrastado pela turba como um simples ladrão! Cuspirão nas minhas faces, dar-me-ão fel e vinagre, quando manifestar sede, para que se cumpram as Escrituras; experimentarei as angústias mais dolorosas, mas sentirei, em todas as circunstâncias, o amparo d’Aquele que me enviou!… Nos derradeiros e mais difíceis testemunhos, terei meu espírito voltado para o seu amor e conquistarei com o sofrimento a vitória sagrada, porque ensinarei aos menos fortes a passagem pela porta estreita da redenção, revelando a cada criatura que sofre o que é preciso fazer, a fim de atravessar as sendas do mundo, demandando as claridades eternas do Plano espiritual.
9 O Mestre calou-se,
comovido. A pequena assembleia deixava transparecer sua surpresa indefinível,
sem compreender a amplitude das advertências divinas.
Foi aí que Simão
Pedro, modificando a atitude mental do primeiro momento e deixando-se conduzir
na esteira das concepções falíveis do seu sentimento de homem, aproximou-se do
Messias e lhe falou em particular:
— Mestre, convém
não exagerardes as vossas palavras. Não podemos acreditar que tereis de sofrer
semelhantes martírios… Onde estaria Deus, então, com a justiça dos Céus? Os
fatos que nos deixais entrever viriam demonstrar que o Pai não é tão justo!…
— Pedro, retira
essas palavras! — Exclamou Jesus, com serenidade enérgica. — Queres também
tentar-me, como os adversários do Evangelho? Será que também tu não me
entendes, compreendendo somente as coisas dos homens, longe das revelações de
Deus?! Aparta-te de mim, pois neste instante falas pelo espírito do mal!…
10 Verificando que
o pescador se emocionara até às lágrimas, o Mestre preparou-se para a retirada
e disse aos companheiros:
— Se alguém quiser
vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga os meus passos. ( † )
11 No dia
seguinte, a pequena comunidade se punha a caminho, vivamente impressionada com
as revelações da véspera. Simão seguia humilde e cabisbaixo. Não conseguia
compreender por que motivo fora Jesus tão severo para com ele. Em verdade,
ponderara melhor suas expressões irrefletidas e reconhecera que o Mestre lhe
perdoara, pois observava que eram sinceros o sorriso e o olhar compassivo que o
envolviam numa alegria nova. Mas, sem poder sopitar suas emoções, o velho
discípulo aproximou-se novamente de Jesus e interrogou:
— Mestre: Por que
razão mandastes retirar as palavras em que vos demonstrei o meu zelo de
discípulo sincero? Alguns minutos antes, não havíeis afirmado que eu trazia aos
companheiros a inspiração de Deus? Por que motivo, logo após, me designáveis
como intérprete dos inimigos da luz?
12 — Simão, —
respondeu o Messias, bondosamente, — ainda não aprendeste toda a extensão da
necessidade de vigilância. A criatura na Terra precisa aproveitar todas as
oportunidades de iluminação interior, em sua marcha para Deus. Vigia o teu
espírito ao longo do caminho. Basta um pensamento de amor para que te eleves ao
Céu; mas, na jornada do mundo, também basta, às vezes, uma palavra fútil ou uma
consideração menos digna, para que a alma do homem seja conduzida ao campo do
estacionamento e do desespero das trevas, por sua própria imprevidência! Nesse
terreno, Pedro, o discípulo do Evangelho terá sempre imenso trabalho a
realizar, porque, pelo Reino de Deus, é preciso resistir às tentações dos entes
mais amados na Terra, os quais, embora ocupando o nosso coração, ainda não
podem entender as conquistas santificadas do Céu.
Acabando o Cristo de falar, Simão Pedro
calou-se e passou a meditar.
Humberto de Campos
– (Irmão X) / Chico Xavier.
Livro: Boa nova.
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